O que é uma República Bananeira?

Em 1904, o escritor e humorista norte-americano Olivier Henry publicou o livro de contos Cabbages and Kings. As histórias se passavam num país fictício da América Latina, a Anchuria, que o autor dizia ser uma “República das Bananas”. Daí para diante esta expressão passou a ser usada para designar genericamente o que seria um típico país latino-americano. Em comum, o fato de serem caracterizados por uma economia baseada na exportação de poucos produtos agrícolas ou minérios, governados por ditaduras militares grotescas e políticos oportunistas. Tudo em benefício de uma pequena e retrógrada oligarquia de origem agrária. Países com uma elite minúscula vivendo na opulência, sem qualquer projeto de nação soberana, insensível ao sofrimento de legiões de pobres e miseráveis. Assim como a Anchuria.

O Brasil bem que tentou escapar deste destino. Em seus breves períodos democráticos houve a tentativa de promover uma industrialização, de se alcançar um desenvolvimento nacional soberano. Até mesmo nos períodos ditatoriais existiu alguma barganha pela modernização da base econômica do país, ainda que em troca de uma fidelidade canina aos interesses geopolíticos dos “irmãos do norte”. Mas estes processos de modernização nunca se consolidaram. Isto porque o crescimento econômico inevitavelmente gera demandas por uma melhor distribuição das riquezas, coisa que a mentalidade escravocrata herdada das oligarquias agrárias nunca conseguiu assimilar. Preferem a segurança do “fazendão” do que a modernidade que permite a ascensão social das classes menos favorecidas. Nossas elites nunca tiveram um projeto de nação, se contentando apenas em reproduzir em seu meio o modo de vida das elites das metrópoles coloniais. Ficam felizes com o sucesso da exportação de nossas “bananas”. Que um dia foi a cana-de-açúcar, depois o café, e atualmente é a soja. Como dizem repetidamente, “o agro é pop”.

Por um curto período de tempo pareceu que o país tinha se libertado deste destino trágico. Porém os acontecimentos dos últimos anos no Brasil demonstraram que, ao contrário do se pensava, o Brasil continua a ser uma grande “república bananeira”. Aliás, um pouco mais do que isso. Pela dimensão de seu território, da sua população e da sua economia, é a maior república das bananas do mundo. Não é uma grandeza a ser invejada, é bem verdade. Mas é um fato inconteste.

Além de ser a maior, também é a mais original. Ao invés das tradicionais e vergonhosas quarteladas, a retomada do poder pelos militares foi pela via eleitoral, usando um inusitado “cavalo de troia” como arma. Acontece que, quando se usa armamento de baixa qualidade, não é incomum que um tiro saia pela culatra. De repente, uma inimaginável coleção de personagens bizarros passaram ocupar os principais postos da república bananeira. Generais de pijama, fanáticos religiosos, sociopatas, oportunistas da pior estirpe e alguns casos nitidamente merecedores de tratamento psiquiátrico. Além de passar vergonha no cenário internacional, de se tornar motivo frequente de anedotas, o Brasil também virou uma preocupação mundial, diante da irresponsabilidade criminosa diante das questões ambientais e sanitárias.

Apesar do fiasco anunciado, as oligarquias bananeiras não entendem que o mundo mudou, que estão conduzindo o próprio país para um redemoinho que as arrastarão para o fundo de um mesmo poço. As repúblicas das bananas não sobreviverão ao Século XXI.

José do Brasil

© 2021 Livre a reprodução, total ou parcial.

Será que o acaso nos salvará novamente?

01 de julho de 2021

Bolsonaro tentará dar um golpe. São poucos os que ainda têm dúvidas a respeito disto. Analistas políticos, jornalistas, acadêmicos e parlamentares, entre outros, são quase unânimes a respeito disso. Até um general da reserva, que acabou enxotado deste governo que inicialmente apoiou, concorda e ainda acrescenta: pode acabar em violência1. Ainda que condenado ao fracasso, esta tentativa de golpe fará vítimas e deixará feridas dolorosas para o país.

Será que poderemos nos salvar deste golpe mais do que previsível? Ou ficaremos reféns do imponderável? Relembrar algumas das tentativas frustradas de golpe num passado não muito distante talvez possa nos ajudar a entender o cenário assustador que nos aguarda.

Em 1968, às vésperas da decretação do AI-5 pela ditadura militar, que assim liquidou com o que restava de democracia no país, foi cogitado uma outra forma de endurecer o regime, um outro tipo de “golpe dentro do golpe”. Militares liderados por um brigadeiro de triste memória, planejaram detonar bombas na represa de Ribeirão das Lajes e na Usina do Gasômetro do Rio de Janeiro. A catástrofe, que provocaria mais de cem mil de mortos, seria atribuída aos “comunistas”. A tragédia daria o pretexto para o extermínio físico de toda a oposição ao regime militar. Além dos militantes da esquerda, aqueles militares também planejaram eliminar Carlos Lacerda, Dom Hélder Câmara e Juscelino Kubitschek. O objetivo era eliminar toda e qualquer oposição ao regime2.

O golpe genocida só não foi adiante por conta da insubordinação do Capitão Sérgio Carvalho, que se recusou a participar da barbárie e denunciou o plano. Nem mesmo a indignação de outro lendário Brigadeiro, Eduardo Gomes, permitiu que os idealizadores deste crime hediondo fossem punidos. Só quem sofreu as consequências foi o Capitão Sérgio. Considerado louco, foi perseguido e teve a sua carreira militar destroçada.

Fomos salvos pelo acaso de, entre os quadros militares, termos naquele momento um heroico oficial que não aceitou compactuar com um genocídio.

Alguns anos depois, em 1981, militares inconformados com o processo de redemocratização do país, reativaram a ideia de implementar outro golpe criminoso. Desta feita, o plano seria detonar bombas num show comemorativo do 1o.de Maio, com a presença dos principais artistas da MPB e dezenas de milhares de jovens na plateia. O crime, cuidadosamente elaborado, incluía explodir uma bomba na central de energia do local do show (o centro de convenções Riocentro). Na escuridão, outras bombas deflagrariam o pânico. Além dos vitimados diretamente pelas explosões, entre o público e artistas da MPB, muitos morreriam pisoteados. Mas os militares encarregados de executar o atentado se atrapalharam. Uma das bombas explodiu no colo de um deles e assim a missão foi abortada. A cúpula militar abafou o caso e, mais uma vez, todos permaneceram impunes3.

O acaso a detonação acidental de uma das bombasnovamente nos salvou dos facínoras que usam farda.

Mesmo com os seus planos frustrados, estes militares criminosos fizeram escola. Em 1987 serviram de inspiração para um tenente que também planejou explodir bombas, desta feita dentro da própria caserna e na adutora do Rio Guandu. A motivação era mais pragmática, meramente corporativa: protestar contra os soldos baixos. Para não fugir à regra, a impunidade mais uma vez triunfou. O líder do movimento foi “punido” com a passagem para a reserva e subiu de patente. Daí o “capitão” partiu para uma bem-sucedida carreira política4.

O binômio “hierarquia e disciplina”, tão repetido pelos generais, oculta uma grande falácia. Os fatos citados deixam claro que a impunidade para os casos mais graves foi devidamente naturalizada entre os militares brasileiros, que se recusam a dar satisfações públicas a quem lhes paga os salários: o povo brasileiro. mesmo os ingênuos esperavam um desfecho diferente no recente caso do general Pazuello5.

Os militares brasileiros nunca aceitaram de bom grado a devolução do poder aos civis. Ao contrário do que se passou nos países vizinhos, aqui eles negociaram a transição do poder em troca de total impunidade para os seus. Por isso, quando da instalação da tímida Comissão da Verdade, que visou apenas trazer à luz da História os crimes que foram cometidos por agentes do Estado, a indignação tomou conta dos oficialato. Ressentidos, estes militares se articularam para retornar ao poder. Nada mais simbólico do que escolher o discípulo “bombástico” para liderá-los. E foram vitoriosos. As invés das quarteladas do passado, implementaram umgolpe militar 4.0”, usando um “cavalo de Troia”. Aliás, nunca a metáfora do quadrúpede foi tão apropriada.

De impunidade em impunidade, de degradação em degradação moral dos quadros militares, chegamos onde chegamos. Do tráfico de drogas no avião da comitiva presidencial ao circo de horrores encenado pela gestão de um general colocado à frente do Ministério da Saúde, coroado pelo escândalo das vacinas Covaxin, temos um retrato trágico das nossas forças armadas (que, num caso extremo de autismo, se enxergam com uma elite, como uma reserva moral do país, pasmem!). Fechados em sua “bolha” da caserna, não se dão conta de que, graças a eles, somos vistos no exterior como a maior e mais patética “república das bananas” do mundo na atualidade. perdemos para Myanmar. Por enquanto.

Há fortes indícios de que, desta vez, a tentativa de “golpe dentro do golpe” será parcialmente “terceirizada”. Além de alguns quadros amotinados da própria caserna, confiantes na tradicional impunidade que a corporação militar lhes garante, o golpe contará com parte das PMs estaduais e com o apoio das milícias do crime organizado, este subproduto dos órgãos militares de repressão politica criados pela ditadura. Isto sem falar dos fanatizados armados e do possível uso de mercenários (fenômeno que está se difundindo pelo mundo).

Será que mais uma vez dependeremos do acaso para nos salvar de um golpe criminoso? Sabemos que não podemos contar com as nossas instituições, historicamente frágeis, acovardadas, quando não coniventes. E nem podemos sonhar com uma resistência vigorosa que parta de uma dividida e fragilizada oposição. Pior: nos faltam oficiais na ativa da estirpe moral do capitão Sérgio Carvalho, que se recusem a emporcalhar a própria farda e que tenham a coragem impedir uma barbárie. Será que seremos vítimas de um “tenentismo miliciano”?

Os militares, confortavelmente instalados e bem remunerados nos gabinetes do Poder Executivo (aos milhares!), provavelmente vão assistir de camarote ao espetáculo dantesco que se anuncia. Depois dirão que não tiveram nada a ver com isso e que estão prontos para recolocar o país de volta à ordem constitucional. Obviamente, com a garantia da manutenção de seus cargos polpudos na máquina governamental e, para não fugir à tradição, a impunidade para os terroristas que usam farda. O apaixonado discurso patriótico, como de hábito, serve para dissimular a ânsia pelas benesses salariais e privilégios que o poder lhes dá.

Ao que tudo indica, só nos resta torcer para que o acaso nos salve mais uma vez destes irresponsáveis e insanos.

José do Brasil
(C) 2021 É livre a reprodução parcial ou total.

Post Scriptum: Logo após esta publicação, uma nova matéria jornalistica revelou como a impunidade está entranhada nas cúpulas militares: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2021/07/em-10-anos-stm-puniu-1-general-e-arquivou-20-investigacoes-de-altas-patentes.shtml

PS2: A vida na maior república das bananas do mundo não fica sem atualização. Mais uma página infeliz da história do Brasil: pra que não restem dúvidas, em uma Nota Oficial os militares brasileiros reafirmaram que não aceitam que seus quadros sejam punidos. Nem mesmo por um crime de corrupção que permitiu a morte evitável de centenas de milhares de brasileiros. Até mesmo um general “dissidente” se soma à impunidade (https://www.cartacapital.com.br/cartaexpressa/nao-existe-banda-podre-das-forcas-armadas-reage-general-santos-cruz/)