Numa república bananeira, o golpismo é permanente

A semana termina com mais movimentações da milicada bananeira. O general alçado ao posto de legalista-mor  faz discurso contundente em defesa da democracia e condenando a partidarização das FFAA. Mas vazam imagens de outro general, tido como confiável, ajudando os golpistas na intentona fascista do 8 de janeiro. Pra bom entendedor: o dito general sabia do golpe em andamento e não quis se indispor com os golpistas, certamente porque considerava que o golpe poderia ser bem sucedido. E não estava errado. A decisão de não cair na armadilha de invocar a GLO salvou, literalmente, a nossa pátria da milicada mamateira-fascista.

O golpismo é permanente. E só não avança neste momento por conta de uma conjuntura internacional. Mas essa tensão vai permanecer no nosso cotidiano até o fim do governo, muito provavelmente.

A intentona fascista do 8 de janeiro ainda não acabou. Sem punição para os seus mentores, vai continuar viva. O indiciamento e prisão dos imbecis-úteis que invadiram a Praça dos 3 Poderes não bastará para conter o ânimo dos golpistas. Eles estão incrustados em todas as nossas instituições permanentes, sempre prontos para sabotar o governo e fomentar o caos do qual se alimentam. E os golpistas eleitos continuarão a fazer do Congresso Nacional um picadeiro bizarro.

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Apesar do crescimento consistente em quase todo o mundo na atualidade, o neo-nazifascismo tem colecionado algumas derrotas. O bozo foi uma delas. Mas os liberais sabem usá-los a seu favor e descartá-los quando já cumpriram com o seu serviço sujo.  Porém nada impede que os utilizem novamente. Aliás, os liberais mantêm as bestas de prontidão para qualquer eventualidade. Elas podem voltar a ser funcionais para os donos do capital.

O caso brasileiro é bem delicado. Pela dimensão do país (econômica, territorial, populacional,etc), com recursos que podem alçar o país a uma condição de potência mundial, o Brasil é uma peça valiosa na geopolítica global.

Os EUA sempre sabotaram qualquer tentativa de desenvolvimento soberano, através do que hoje se chama de “guerra híbrida”. Por uma questão meramente conjuntural (a ameaça interna do trumpismo aos democratas e a emergência das questões ambientais), os EUA esvaziaram a intentona fascista no Brasil. Mas cobrarão caro o preço dessa ajuda à precária democracia brasileira. Num momento em que a hegemonia norte-americana está seriamente ameaçada, eles não hesitarão em nos jogar novamente no lodo fascista.

A nossa diplomacia já se viu na contingência de abandonar a neutralidade e condenar a invasão da Rússia na Ucrânia. E agora caminha no fio da navalha, ao buscar um aprofundamento nas relações econômicas com a China, ao mesmo tempo em que não quer provocar a ira do Tio Sam.  Que nosso governo e nossa diplomacia tenham habilidade e sabedoria para sobreviver nesse terreno pantanoso.

O Brasil tem um único grande trunfo no cenário global: a questão ambiental. O mundo sabe disso. A União Europeia acaba de nos chantagear, exigindo resultados práticos antes de liberar fundos.Claro que, antes da “pungente preocupação” em proteger nossas florestas, o que está em jogo são trade-offs, a busca de vantagens comerciais para o velho continente (vide o Acordo Mercosul-UE, em que eles ganham muito e nós quase nada).  E ainda nos exigem um alinhamento com a OTAN no caso da Ucrânia. O jogo é duro.

Assim, o governo se vê limitado em sua capacidade de ação e faz concessões espúrias. O Governo Lula está em permanente estado de sítio, se equilibrando entre as chantagens do mercado e as demandas patrimonialistas de um parlamento podre, entre a conciliação com os militares e punição aos golpistas do 8 de janeiro, entre a afirmação da soberania nacional e ameaça de intervenções da guerra híbrida.

Só a mobilização da sociedade civil organizada poderá ser capaz de  empurrar o nazifascismo de volta pro armário e dar suporte para uma estratégia soberana para o nosso país. Uma mobilização que, até o momento, não veio. Aí é que mora o maior perigo.

INTERNACIONAL BANANEIRA

O neo-nazifascismo ainda vai nos infernizar por um bom tempo. Isto porque é, também, um fenômeno mundial.  Existe um ensaio da  Hannah Arendt, publicado em junho 1945, intitulado ” As sementes de uma internacional fascista”.  A autora alertava que a derrota do nazifascismo não significou o seu fim para os seus partidários, mas apenas um revés temporário. A derrota teria até mesmo reafirmado a crença deles: fora da ordem fascista, resta somente o caos. Aliás, eles semeiam o caos para “fabricar” esta verdade.E, ao perder o controle da máquina estatal, livres da responsabilidade de governar, ganharam uma maior liberdade de ação.

É o que vemos no Brasil pós-bolsonaro.  Uma sabotagem constante, que ainda conta com os “independentes” que sobrevivem na máquina pública com seus mandatos intocáveis, do Banco Central às Agências Reguladoras, dos órgãos militares aos incrustados no sistema de justiça. Sem falar nos que conquistaram mandatos parlamentares, nas urnas eletrônicas que diziam ser fraudulentas.

Voltando a Arendt, ela concluiu que o fascismo continuaria a existir internacionalmente com fundamentos racistas, nacionalistas e antissemitas. Pela via acadêmica, ela chegou à mesma conclusão do dramaturgo seu conterrâneo, Bertold Brecht (“a cadela do fascismo está sempre no cio”).

É uma observação importante da Arendt: o nazifascismo é um fenômeno internacional e a luta contra ele deve levar isso em conta. É preciso, no nosso caso, que a barbárie do bolsonarismo, desse nazifascismo brasileiro, repercuta em todo o mundo democrático. As imagens do Auschwitz Yanomami correram o mundo e assim deve continuar a acontecer. A questão ambiental deve estar em evidência constante. É o grande trunfo que temos para que as nações ditas democráticas não silenciem diante dos ataques à nossa frágil democracia.

A lacuna que Arendt não preenche, em razão da limitação da sua visão liberal, é que o sucesso do fascismo depende das movimentações e interesses do grande capital.  Para suprirmos essa lacuna, temos o livro do norte-americano Michel Parenti, lançado recentemente no Brasil: “Os camisas negras e a esquerda radical: fascismo racional e a derrubada do comunismo”. O autor salienta que fascismo cresceu com as bênçãos do grande capital, pois foi funcional aos seus interesses. E pode sobreviver mesmo depois de derrotado pelo mesmo motivo.

Parenti também se debruça sobre um tema geralmente negligenciado pelos pesquisadores: a cooperação dos aliados ocidentais com fascismo. Com exceção do julgamento das principais lideranças nazistas em Nuremberg, “a polícia, os tribunais, as Forças Armadas, às agências de segurança e a burocracia permaneceram, em grande medida, nas mãos de indivíduos que haviam trabalhado para os antigos regimes fascistas ou nas de seus recrutas ideológicos”.  Foi isso o que permitiu que redes fascistas sobrevivessem e continuassem a agir até os dias de hoje. Voltando à alegoria de Brecht, a “cadela no cio” permanece sempre pronta para ser fecundada e parir novas bestas.

O Tio Sam nos ajudou a frustrar um golpe fascista, milico-bananeiro. Porém, a qualquer momento, conforme seus interesses sejam contrariados, pode voltar a insuflar o golpismo. Nossa democracia, sem um sólida base de apoio popular organizada e mobilizada, permanece frágil.