Otimismo, pero no mucho

Muitos articulistas estão saudando o fato inédito de que, pela primeira vez na nossa história, vimos oficiais golpistas de alta patente no banco dos réus. De fato, não deixa de ser um avanço a ser celebrado. Mas ainda é muito cedo para comemorações efusivas. São necessárias muitas gerações para que se altere o DNA de uma república bananeira.

Me desculpem os otimistas, mas algumas coisas devem ser ditas.

O depoimento do dito “núcleo duro” da intentona golpista não trouxe surpresas. Amparados pelo direito penal, que lhes permite que silenciem ou mintam para não produzir provas contra si próprios, não era mesmo para esperarmos nada muito diferente do que assistimos: uma encenação tosca, recheada de cinismo, dissimulação, eufemismos, deboches e algumas sutis doses de arrogância. O almirante que teria deixado as suas tropas de prontidão, depôs com uma postura de quem aguarda o momento de vingança no futuro. O generaleco que carrega fama de genocida no Haiti, idem. Não esperam por uma absolvição, dada a ampla quantidade de batom encontrada em suas cuecas. Mas contam com prisões curtas, possivelmente domiciliares, com a possibilidade de indulto ou anistia no próximo governo.

Militares derrotados agem assim: tentam minimizar danos no presente enquanto pensam em como acumular forças para um contragolpe no futuro. Porém eles têm em mente muito mais do que isso. Não se enganem: sonham com uma revanche. Não comandada por eles, com seus vistosos pijamas que logo vestirão. Mas executadas pelos seus “irmãos” de farda mais jovens, na ativa, os golpistas do amanhã que são (de)formados aos montes anualmente pelas academias militares.

Observando o cenário nacional e internacional, com um tipo de neofascismo em franca ascensão, eles sabem o que fazem. No Brasil, do jeito que a coisa vai, tudo indica que o Senado vai matar a nossa débil democracia em 2027. A guerra híbrida do Tio Sam virá com todos os seus recursos e bigtechs engajadas nesse projeto nas eleições de 2026.

Em breve teremos uma primeira sinalização. Um dos diários oficiais da Faria Lima já estampou nesses dias: “EUA garantem ‘relação firme com Brasil’, apesar de possível sanção a Moraes”. Mesmo depois do governo brasileiro avisar que isso será interpretado como um ataque à soberania nacional.

Trump tem pouco tempo para implantar e consolidar a sua autocracia: até as eleições de meio de mandato, que podem lhe tirar o controle das casas legislativas. Por isso está dobrando a aposta, tanto interna quanto externamente. A tal ponto que colocou soldados para atacar cidadãos de seu próprio país.

Na América latina, suas ações já se fazem sentir. A interferência nas eleições do Equador garantiu a vitória de seu títere. E seria ingênuo interpretar o retorno dos atentados políticos na Colômbia como mera coincidência. Logo a Bolívia sofrerá uma desestabilização, auxiliada pela incapacidade dos líderes de esquerda de construírem uma unidade (talvez existam “cabos anselmos” atuando por lá, nunca se sabe). Na Venezuela, recentemente a embaixada dos EUA recomendou fortemente que seus cidadãos deixassem o país. As digitais de Marc Rubio estão por toda parte, pra quem quiser ver.

Portanto, a comemoração de uma provável e inédita punição aos golpistas é louvável. Porém deve ser comedida, sem perder a prudência. Um ineditismo histórico digno de grande festa será uma robusta vitória do campo democrático nas próximas eleições, tanto no Executivo quanto no Legislativo. Infelizmente, nesse momento, não nos parece algo muito provável. Mas os dados estão rolando. Brindemos à esperança, mas sem grande otimismo.

Dias infelizes na maior república bananeira

Nestes últimos dias tivemos o primeiro caso de um militar punido por golpismo: um suboficial da marinha. Talvez apenas para quebrar o gelo, para o povo da caserna se preparar para a punição de uma alta patente. Curiosamente, todos os vencimentos do militar serão preservados e revertidos para a família dele. No meio militar, o defenestrado ganha o status de “morto”, como se fosse um soldado abatido. Afinal, são “irmãos por escolha”, que nunca são abandonados ou deixados para trás.

Até os que não são militares, se ajudaram na execução dos planos golpistas estão inseridos numa rede de proteção. Vide o terrorista que tentou explodir um caminhão-tanque no aeroporto de Brasília. Se tivesse tido sucesso, seria um massacre. Mas já ganhou liberdade condicional, apoio logístico incluindo moradia e um bom emprego oferecido por empresários do ogronegócio.

Outros terroristas, do grupo chefiado pelo coronel colega de turma do Bolzo na AMAN, seguem livres, leves e soltos por aí. Prontos a atender qualquer chamado de ordem unida. O grupo terrorista foi descoberto por acaso, numa investigação de venda de sentenças no Judiciário. Por isso, enquanto houver impunidade, o risco de golpe será uma eterna sombra pairando sobre a nossa república bananeira.

O golpismo também é tolerado dentro do Poder Judiciário, onde a pena máxima é a aposentadoria compulsória, com vencimentos integrais e seus penduricalhos. É a pena que um juiz bombado, parcial e justiceiro acabou de receber. Ignoram o preceito básico que diz que todos são iguais perante a lei, não é mesmo? Pois é, numa república bananeira, isso é só retórica. Alguns poucos são mais iguais que outros. Senão vejamos o que aconteceu numa prisão quase simultânea a esses fatos que narramos. Um jovem MC negro, cujas composições são crônicas da vida numa favela, foi preso por apologia ao crime num espetáculo policial raramente aplicado a homens brancos, mesmo que sejam bicheiros, homicidas ou militares golpistas.

Enquanto isso, a deputada pistoleira operou uma descarada “fuga das galinhas”. Tal como o deputado bananinha, se diz perseguida política em busca de asilo. Todos sonhando e apelando para o Trump fazer alguma coisa por eles.

Por isso este blog segue afirmando que somos a maior república bananeira do mundo. Basta ver como a dita grande imprensa – diário oficial da elite rentista – trata esses personagens bizarros. Alguns participaram de uma conspiração para assassinar o Presidente e o Vice-presidente eleitos, além de juízes do STF e outras personalidades. A outra contratou um hacker para invadir o sistema informático do Poder Judiciário para adulterar documentos oficiais. Perseguição política? Pela cobertura da grande imprensa, parece, porque tais fatos não são retratados com a dimensão da sua gravidade. Pura vitamina de banana. O jornalismo de guerra segue dando palco pra essa turma e fazendo cobertura pra lá de facciosa dos fatos. Porque os fascismos são funcionais para o rentismo e sempre podem ser uma alternativa, mesmo que indigesta.

Será que Trump irá salvá-los? Nada é impossível, mas esses pilantras não deveriam contar com isso. Essas figuras deploráveis são para ele apenas vira-latas sabujos. Certamente o presidente dos EUA tem outras prioridades e meios para defender os interesses das bightechs que o patrocinaram. Pode até citá-los em suas postagens do “X”, mas só pra criar clima na sua luta para impedir que restrições sejam aplicadas às redes sociais, o principal recurso de poder do neofascismo hoje.

Mas não tenham dúvidas: em algum momento o governo Trump agirá para abater a nossa democracia, que ousa se integrar soberanamente ao BRICS. A interferência nas eleições do ano que vem será brutal. As bigtechs recentemente deram até um curso de formação em fakenews para os pústulas do bolzofascismo. Teremos uma verdadeira guerra no ano que vem, com deepfakes criadas por IA bombando do Oiapoque ao Chuí.

Enquanto isso, mais um pré-candidato (governador de MG) passou pano pra ditadura militar e prometeu dar indulto ao Bolzo se for eleito (algo já prometido pelo governador de Goiás). Ainda anunciou que pretende implantar uma política de segurança pública similar à de Bukele em El Salvador, com prisões abusivas em massa. Já o governador de São Paulo, o preferido do rentismo, jura que não entrará na disputa sem a benção do Bolzo.

A promessa de indulto soa como música para os ouvidos dos golpistas. E também para o assassino de Marielle Franco. A delação premiada só foi feita após consolidada a derrota do Bolzo e a derrota do golpe, pois o miliciano certamente contava com o perdão presidencial. Fechada essa via, optou por uma delação que, se não é falsa, é bem seletiva. É o que se pode deduzir por conta das contradições com outros testemunhos e depoimentos do próprio. Pode haver uma aí embutida uma moeda de troca para garantir um indulto futuro.

A milicada, prudente, sabe que está num momento de manter as tropas aquarteladas, acompanhando tudo em discreto silêncio. Mas não puderam esconder a frustração que foi a visita daquele que, na prática, é o superior hierárquico deles, o Almirante que é o atual chefe militar do Comando Sul dos EUA. Talvez esperassem um recado de que, com Trump, uma nova tentativa de golpe seria apoiada num futuro breve. Estenderam tapete vermelho pra ele, foram esnobados e resolveram esnobá-lo também. Mas a milicada, mesmo que frustrada, deve continuar esperançosa. O atual comandante foi indicado por Biden e pode ser substituído por um fantoche do Trump, para fazer por aqui o que acabam de conseguir no Paraguai e no Equador, cujos parlamentares aprovaram a instalação de bases militares estrangeiras em seu território. O Centrão, por alguns milhares de doláres, faria o mesmo, fácil, fácil. Entregariam a base aérea de Natal e Fernando de Noronha pro Tio Sam descaradamente.

Enfim, a democracia ainda respira por aparelhos na maior república bananeira do planeta.