Na maior república bananeira do mundo, o terrorismo militar é sempre uma ameaça viva

Conforme avançam as investigações e revelações sobre a intentona fascista de 8 de janeiro, fica cada vez mais evidente o DNA golpista e bananeiro dos militares brasileiros.

A história do golpismo militar no Brasil é um inventário de ações clandestinas e dissimuladas dos militares. Felizmente, os planos mais sanguinários da caserna fracassaram .Por isso que até alguns ateus, em certas horas, suspeitam que Deus existe e é brasileiro. Por obra do acaso, ou de “Deus”, o certo é que os executores falharam na execução do crime insano. Se houve alguma intervenção divina, ela deve ter sido o ato de abençoar os nossos militares fascistas com uma suma incompetência; a mesma que os fizeram fracassar nos planos de explosão do Gasômetro,  do show no Riocentro e, recentemente, da explosão do Aeroporto de Brasília, que poderia ter sido uma tragédia com inumeráveis vítimas .

Já se sabe que boa parte das ações do 8 de janeiro foram executadas pelos chamados “kids pretos”, as forças especiais para ações camufladas do exército. E eles não agem sem comando.  Paralelamente incitaram e mobilizaram setores civis fanatizados, para ocultar de onde partem as ordens e ocultar o protagonismo da caserna. E isso eles fizeram muito bem. Usar e manipular dementes civis para viabilizar as suas operações dissimuladas não é algo novo. Fazem isso desde os anos 60. Como fizeram no famigerado caso do  “grupo secreto”, que já foi objeto de publicação aqui . Ou como no caso dos atentados do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) em 1968 e da Aliança Anticomunista Brasileira (AAB) em 1976. Hoje a sigla que responde pelos trabalhos sujos é outra: seus integrantes são membros dos CACs – clubes de tiro para Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores. Uma rede paramilitar que se constituiu nos últimos quatro anos com a completa cumplicidade das FFAA (quem sabe, até como parte de um projeto interno e sigiloso das mesmas).

O atual ministro da defesa, que ao invés de Chefe se comporta como serviçal dos golpistas bananeiros, se apressou em dizer que os militares não queriam um golpe, que eles não tiveram qualquer participação no acontecido. Triste papel para um ministro de estado, ainda que isso revele muito do caráter e das intenções dos militares. Golpistas, sonham com uma mudança no cenário internacional para colocarem novamente as suas manguinhas de fora. Recuaram, mas não desistiram.

Por mais que saltem aos olhos a participação dos que foram os comandantes da trama golpista, as provas contundentes não aparecem.  Os oficiais flagrados se mostram dispostos a serem imolados e não revelar o que sabem. E isso não ocorre por acaso.  Foram adestrados para isso desde o primeiro dia na Academia Militar. É o que se pode comprovar num recente filme, disponível num canal de streaming,  sobre a (de)formação dos militares na AMAN . Um documentário produzido por encomenda intitulado “Irmãos por escolha”,cujo subtítulo é “nenhum de nós é tão forte quanto todos nós juntos”.

Cinematograficamente, o filme é uma nulidade. Quem suportar assisti-lo além dos 20 minutos iniciais – pois o filme é sonolento e entediante – vai compreender melhor o comportamento golpista dos nossos militares bananeiros. O documentário ilustra bem o que um humorista recentemente chamou de “fábrica de bolsonaros” (a AMAN).

Para poupar os leitores do desprazer de ver essa josta, façamos aqui uma brevíssima resenha do filme,  que documenta cada ano da dita “formação” dos militares.

O filme documenta uma sequência de treinamentos que levam os cadetes ao limite da exaustão, enquanto os instrutores incutem crenças e valores de “superação”, louvam o fato de que eles abdicaram do conforto da vida civil para estarem ali, que contam com  o apoio orgulhoso da família do lado de fora, desfiam um rosário de clichês patrióticos. Usam as técnicas de persuasão coercitiva pra lá de manjadas. Nos treinamentos os cadetes são expostos a atividades físicas extenuantes durante dias de privação de sono, fome, frio e calor intensos em ambientes inóspitos, que os conduzem a um estado de exaustão física e psicológica extrema. Induzidos a uma situação propícia à confusão sensorial, se expressam com brados, cânticos de guerra, orações, hinos anacrônicos, enquanto ouvem  mensagens motivacionais dos instrutores com ênfase no espírito de grupo e na criação de “laços inquebrantáveis” entre eles. Em um certo momento, um cadete diz: “-É a união que não deixa a gente ficar maluco”.

Tudo aquilo que, no jargão popular, é chamado de “lavagem cerebral”. Enfim, nada muito diferente do que é a formação de combatentes em qualquer exército do  mundo.  

Esse adestramento é sólido e deixa marcas profundas. Porém, no Brasil, o espírito de corpo vai além dos limites do razoável. Recente matéria jornalística revelou que até mesmo para os oficiais expulsos das FFAA por crimes comuns (tráfico de drogas, estupro, assassinato, roubo, estelionato, etc.) uma pensão vitalícia é garantida às suas famílias.   São os tais “laços inquebrantáveis” criados entre eles. Se não abandonam bandidos comuns, também não o farão com golpistas e terroristas. A raiz da impunidade nasce no adestramento das academias militares. Não foi por desleixo que o tenente que queria explodir bombas no quartel foi perdoado e protagonizou o período mais desastroso da república brasileira desde o fim da ditadura militar de 1964.

Essa de-formação militar não seria algo tão grave se eles não fossem induzidos a intervir na vida civil como um poder moderador. E é aí que reside o maior silêncio do filme: praticamente nada é dito da formação intelectual deles, o que nos faz deduzir que isso é o que menos importa para ser levado ao conhecimento dos espectadores civis. Porém um punhado de citações de títulos dos TCCs dos futuros oficiais dá algumas pistas: falam da preparação para combate ao terrorismo, de guerras assimétricas, de psicologia de massas e armas cibernéticas. Apesar da amostra ínfima,fica a impressão de que o “inimigo interno” ainda é  o ideário teórico que orienta a formação  no treino de campo. Curiosamente, a parte final do filme , que se refere ao último ano do adestramento dos futuros oficiais, trata das operações contra “forças irregulares”, “adversários atores armados não estatais”. No treinamento exibido, a operação é contra uma suposta base de tráfico.  Na falta de guerrilha de esquerda, o tráfico é o inimigo interno que escolheram combater no momento. Mas que pode se voltar para os movimentos sociais num estalar de dedos. O foco em “inimigos internos” é a maior deturpação da missão das forças armadas, o que nos faz ser a maior república das bananas do planeta.

O final do filme é patético, quase surreal. Alguns cadetes refletem sobre a relação com a morte, já que poderão ter que matar ou morrer, pois juraram dar a vida pelo país. Mas aí vem a cereja do bolo, o sermão de um oficial capelão sobre a missão espiritual dos militares:  a guerra não seria criação dos homens nem do militarismo, pois a guerra primígena, que sobrevive até hoje , é a provocada pelos demônios rebeldes, pelos anjos decaídos.

Com essa xurumela na cabeça, são despejados centenas de novos oficiais a cada ano no Brasil, uma multidão de neobolsonaros. A omissão (ou medo) do poder civil de intervir nas academias militares só perpetua a continuidade da nossa nação bananeira.

O silêncio dos oficiais na CPMI em curso é mais uma prova de que esse adestramento funciona. O ajudante de ordens, ao comparecer fardado e permanecer em silêncio, manda as seguintes mensagens: não irei trair os meus “irmãos por escolha” (mantendo-se em silêncio) pois sei que eles me acolherão no que eu vier a sofrer. Se alguém tem dúvida disso, basta olhar a lista de visitantes que recebeu em seu curto período de cadeia (11 generais, alguns da ativa,  e dezenas de oficiais, fora o general ex-vice, não registrado sabe-se lá o por que, embora visitante confesso).

Enquanto isso, os dementes das CACs aguardam instruções. O espectro do terrorismo dissimulado “verde-kid-preto-oliva”, permanece mobilizado.

Os mamateiros patriotas, impunes,  ainda não se conformaram. E continuarão sonhando com um doce regresso, enquanto não sofrerem uma punição exemplar.

As repúblicas bananeiras e as suas lendas urbanas (I): “os militares são altamente qualificados e preparados”.

No início de 2023, o prefeito da cidade de Maracanaú (CE)  nomeou o Capitão Wagner (candidato do “partido fardado” derrotado nas eleições ao governo do Estado) para a Secretaria de Saúde do município. Questionado sobre a falta de experiência do indicado para o cargo, o prefeito retrucou:  “militar sabe fazer tudo, inclusive saúde”.

O prefeito apenas reproduziu uma das lendas mais estúpidas que circulam sobre os militares: a de que eles são altamente preparados e qualificados. E de que seriam imunes aos esquemas de corrupção tão frequente nos meios políticos.

Supostamente, podemos admitir que eles são muito qualificados no que diz respeito às técnicas militares, nada além disso.  Mesmo assim, supostamente, porque há muito o Brasil não participa de guerras, cenários em que tais competências poderiam ser postas à prova. Recentemente, um portal de internet chinês (SOHU) fez um ranking das piores Forças Armadas do  mundo, considerando o potencial de desempenho militar numa situação de combate. Nossos bravos foram avaliados entre os quatros piores. A falta de investimentos em equipamentos e tecnologia pode ser uma explicação.  Mas a responsabilidade da cúpula militar também é grande, pelo seu insulamento burocrático e recusa a qualquer tipo de supervisão externa. Tudo isso contribui para uma formação militar anacrônica em muitos aspectos.

Não sejamos injustos. Há ações sociais implementadas pelos militares nos rincões do país merecedoras dos maiores elogios. Mas nada que os faça “superiores” ou os aponte como detentores a priori  de uma competência diferenciada em relação aos agentes civis.

O que há é somente uma crença autista deles próprios, de que são uma “elite”. Fora disso, há uma coleção de desastres na atuação militar. Vamos relembrar apenas alguns exemplos, restritos aos últimos quatro anos, período em que eles tomaram de assalto milhares de cargos civis de forma quase pornográfica, com um desempenho pífio, senão trágico, em muitas das vezes.

Podemos começar citando o caso do “aerococa”, o uso do avião presidencial para o tráfico de cocaína, que só foi interrompido graças a uma ação da polícia espanhola. Ou mesmo pela omissão da inteligência militar, para não falar de cumplicidade, no caso da perigosa vizinhança do ex-presidente no “Vivendas da Barra” (o caso Marielle permaneceu sem solução, por razões obscuras). O descaso, ou até a cumplicidade com os crimes na Amazônia, foi motivo de vergonhosa repercussão internacional.

Mas, sem dúvida alguma, o caso mais escandaloso de incompetência foi a gestão militar do Ministério da Saúde em plena pandemia. Uma sucessão de trapalhadas de causar estupor a qualquer nação civilizada.A começar pelo fato do ministro fardado declarar,  sem a menor cerimônia, que não sabia o que era o SUS. Porém o mais patético foi a justificativa da nomeação do general: ele seria um dos maiores especialistas de logística do exército brasileiro.

E foi exatamente na parte logística o grande fiasco da gestão militar nessa área. A mundialmente reconhecida estrutura vacinal, construída ao longo de vários governos, sobreviveu a duras penas, graças aos esforços dos governos estaduais e municipais. O SUS, desconhecido do ministro de coturno, impediu que a tragédia da pandemia fosse maior. Sobrevivieu ao erros grosseiros de “logística” na remessa de oxigênio para Manaus, aos gastos absurdos e irresponsáveis com a fabricação de um medicamento notoriamente inútil para combater a pandemia (cloroquina). Sem falar nas tentativas de negociatas na compra de vacinas, felizmente abortadas antes que arrombassem os cofres públicos em benefício de militares corruptos (sim, eles existem, e não são poucos).

Não satisfeitos, os intelectuais da caserna, em seu projeto de nação para 2035, defenderam abertamente o fim da universalização da saúde, a extinção do SUS e a ampla privatização da saúde. Para os cidadãos civis, obviamente. Para eles, militares, essas criaturas que se acham superiores aos demais mortais, preservariam seu sistema de saúde próprio.

E assim eles contribuem decisivamente para continuarmos a ser a maior república bananeira do planeta.

Confissões dos generais bananeiros: “-Não demos o golpe porque não quisemos.”

Em recente entrevista a um grande jornal, o número 2 do Comando Militar da nossa República Bananeira fez uma confissão em tanto. Um festival de “atos falhos”, no dizer “freudiano”.  Ao negar as intenções golpistas da caserna, atestou a existência do golpismo nas FFAA. E  reconheceu que a instituição teria sido “capturada por assuntos políticos”.

Na linguagem castrense existem expressões que são verdadeiros lugares comuns, usadas sempre que os militares desejam dissimular o seu caráter golpista. Uma delas é famosa:”quando a política entra pela porta de frente dos quartéis, a disciplina sai pelos fundos”.

Essa frase é sempre dita quando os militares são acusados de se intrometer na vida civil, no jogo político da nossa frágil democracia. Habitualmente ela tem sido atribuída ao General Góes Monteiro, golpista de primeira linha e notório por fazer cotidianamente articulações políticas e golpistas.De triste memória, foi um dos mentores do “Plano Cohen”, que dizia haver planos avançados para promover uma insurreição comunista no Brasil. Uma fake news antes que existisse esse nome, que foi o pretexto para fechar o Congresso e implantar a sanguinária ditadura do Estado Novo.

A frase de Góis Monteiro, portanto, é tão verdadeira quanto cínica. A hipocrisia é que ela é usada quando os militares bananeiros querem se esquivar da acusação de que buscam tutelar e interferir na vida civil, pelo simples fato de terem o poder das armas.

Política é o lugar do debate e da disputa democráticas de ideias. De fato, dentro do quartel a política não presta pra nada. Numa tropa não há lugar para dissenso nem negociação de pontos de vista divergentes. A eficácia das FFAA se baseia no estrito respeito à hierarquia e disciplina, no qual um manda outro obedece.Para o bem e para o mal.

Golpistas e conspiradores não traçam os seus planos dentro do quartel, mas sim nas cúpulas de comando, nas alcovas dos clubes  militares e, na atualidade , nas salas dos Think Tanks bananeiros (Institutos Sagres, Federalista, Villas-Boas).

O fato, que a cada dia fica mais claro nas investigações do “8 de janeiro”, é que os militares estavam doidinhos pra dar um golpe.  Porém foram muitos os problemas que os impediu de levar seus intuitos adiante.Um quase total isolamento internacional, apoio interno restrito à própria caserna, somado a um bando de alucinados,  vivandeiras de quartéis e alguns tresloucados do ogronegócio fechando rodovias e financiando atos. Foi pouco. E faltou mesmo o principal: a chancela do Tio Sam, ao qual são submissos. Em reportagem recente do Financial Times soubemos que os recados dados a eles foram claros e diretos. Os governantes democratas dos EUA deixaram nítido que não aceitariam um “mascote vira-lata” do Trump mantido no poder por vias golpistas.

Mesmo assim, os milicos não conseguiram controlar os seus impulsos golpistas. Tentaram criar um clima caótico que justificasse uma intervenção militar.  Espertamente, terceirizaram a linha de frente do golpe e atuaram de forma clandestina, com seus batalhões de operações especiais (os “Kids pretos”).  Conceberam uma operação tipo “Para-sar/Riocentro versão 4.0“, em que pudessem sair de mãos limpas da sujeira que estavam dispostos a patrocinar. Se cercaram de máximos cuidados. Sabiam que, em caso de fracasso, poderiam acabar como os generais bolivianos recentemente, ou pior,  como os generais argentinos em 1985.

Não funcionou. Agora tratam de limpar as pontas soltas e salvar os seus “irmãos por escolha” de  maiores punições (“irmãos por escolha” é o  título de um filme sonolento e patético que estão divulgando, uma espécie de “ninguém larga a mão de ninguém” do meio militar) . Ao mesmo tempo, ainda tentam preservar os seus espaços institucionais estratégicos (vide GSI). Sabe-se lá os recados e barganhas que estão sendo intermediados pelo submisso Ministro da Defesa.

Os milicos bananeiros-mamateiros ficarão recolhidos até que sintam que surgiu uma nova janela de oportunidade. E, principalmente, na expectativa de uma mudança de orientação do Tio Sam.

Permanece, no entanto, um perigo grave no ar: os terroristas militares. O caldo no qual  fermentou o Para-Sar e o Riocentro continua intacto. Já dissemos antes aqui neste blog: é aí que mora o perigo. Nada garante que celerados treinados para o terrorismo (os “Kids Pretos“) não resolvam se subelevar. Só nos resta torcer para que a bomba exploda no colo deles. Ou que não exploda, como a que foi colocada no aeroporto de Brasília,com intenções similares. Não sabemos até quando a incompetência deles nos salvará de uma tragédia maior. Para garantir a mamata da corporação (a intenção real por trás do que chamam de “combate ao comunismo”), esses “patriotas” serão capazes de provocar uma tragédia que roubem a vida milhares de  inocentes, de promoverem verdadeiras carnificinas. Apesar dos fracassos do passado, nunca desistiram desses planos, como prova a recente tentativa no aeroporto de Brasília.

Na maior República das Bananas do mundo, os terroristas militares seguem livres. E impunes, prontos para planejar novas insanidades.

Na República Bananeira, o golpismo vive à espreita

A cada nova revelação sobre os acontecimentos de 8 de janeiro, fica mais claro o quanto a milicada mamateira-bananeira deve estar contrariada por ter sido alijada do poder.  O golpe foi preparado com a discrição típica dos terroristas, de forma clandestina. Mas sempre ficam pontas soltas e a trama vai sendo revelada ao longo do tempo.
O alto comando sabia que não poderia se expor, porque não tinha o aval do Tio Sam. Porém permitiu que os mais radicais, os setores de inteligência e uma parte da média oficialidade tomassem as rédeas da iniciativa golpista. Se a instalação do caos fosse bem sucedida, fariam a intervenção com as “mãos limpas”. Se desse certo, poderiam se livrar de Lula e do Bozo ao mesmo tempo. Se desse errado, como deu, poderiam posar de legalistas. Como tentam fazer agora. Quem quiser que se iluda. A única preocupação deles agora é proteger os colegas de farda de punições severas.
A milicada bananeira–mamateira resiste a abrir mão de seu poder. A queda de braço agora é pelo controle da GSI. O lugar estratégico onde a trama golpista foi gestada.  A determinação em preservar esse espaço é a demonstração que o horizonte golpista permanece no horizonte da milicada.
Provavelmente viveremos um período similar aos anos entre os governos de JK e Jango. Veremos nos próximos anos tentativas de desestabilização constantes, a espera de uma tempestade perfeita, que reúna  crise econômica interna, classe média à beira de um ataque de nervos, cenário geopolítico favorável, entre outros fatores.
Não chega a ser estarrecedora a recente matéria de uma revista semanal que expõe o papel dos chamados “kids pretos” na tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023. Coordenaram a invasão da Esplanada, dinamitaram torres de transmissão, escaparam do cerco sob proteção de seus superiores. Provaram que estão mais espertos, treinados e cuidadosos: dessa vez nenhuma bomba explodiu no colo de um deles. É aí que mora o perigo: os terroristas formados na caserna estão muito melhor preparados. Se quiserem novamente explodir uma represa ou gasômetro para matar milhares de cidadãos inocentes, talvez sejam bem sucedidos.
O golpismo tem um modus operandi pra lá de manjado. O que tivemos recentemente foi bem semelhante ao roteiro usado no “golpe dentro do golpe” que resultou no Ato Institucional No. 5, o famigerado AI-5, em 1968. Desta vez não deu certo, mas enganam-se os que pensam que os golpistas estão derrotados. Apenas se recolheram à espera de uma nova oportunidade.
Quem quiser saber mais detalhes das histórias passadas, recomendamos a leitura da excelente reportagem de Vasconcelo Quadros na Agência Pública (Atentados de direita fomentaram o AI-5)  e do livro “A direita explosiva do Brasil”, dos jornalistas José Argolo, Kátia Ribeiro e Luiz Alberto Fortunato.
Há um episódio que guarda grandes semelhanças com os acontecimentos recentes. Em 1968, sob as orientações de um general de pijama, Paulo Trajano da Silva, do general Silvio Corrêa de Andrade, chefe da Polícia Federal em São Paulo e do general Jayme Portella, chefe da então Casa Militar da Presidência, um grupo terrorista praticou naquele ano uma série de atentados à bomba (17 comprovadamente) que as autoridades atribuiram à “esquerda”. O objetivo, bem sucedido à época, era fabricar pretextos para endurecer o regime.O grupo terrorista paramilitar  era chefiado por Aladino Félix um sujeito completamente desequilibrado, chegado a delírios messiânicos e  fanático anticomunista.  Usava o místico codinome “Sábado Dinotos”.Troque-se o nome dos generais citados por Braga Neto, Mourão e Heleno, e teremos um “remake” do mesmo filme. Ah, e ao invés da Casa Militar, leia-se GSI. Dentre os acampados nos quartéis não faltaram alucinados para o cargo messiânico de lider dos atentados.
Jamais escaparemos da sina de sermos uma eterna república bananeira se não tivermos uma profunda reforma nas instituições militares. Com a punição dos golpistas e profundas  transformações nas escolas de formação dos militares. Como bem disse recentemente um talentoso humorista, são escolas de formação de bolsonaros…Porém, conforme comentamos acima, os golpistas de hoje estão mais preparados: se anteciparam às críticas e produziram um documentário sobre a formação dos militares, recentemente lançado com destaque na principal rede de streaming.  Uma bizarrice que merecerá uma postagem à parte.

LIBERAIS E FASCISTAS: FRUTOS DO MESMO CACHO DA REPÚBLICA BANANEIRA

 

No passado, existiram militares bananeiros no Brasil que, ao menos, tinham sonhos desenvolvimentistas e um projeto de nação soberana. O anticomunismo arraigado não os impedia de promover o investimento estatal em indústrias de base estratégicas, inclusive visando o domínio do ciclo completo da  tecnologia nuclear e aeroespacial.

Curiosamente, com o fim da guerra fria, vimos os “intelectuais” da caserna abraçarem o mais tosco liberalismo que se conhece, o da escola austríaca. O DNA fascista dos nossos militares se casou perfeitamente com o neoliberalismo mais rastaqueiro.  Junte-se a isso o anseio por ampliar o acesso ao orçamento público para garantir mamatas descaradas para a caserna.  Esse casamento de conveniência deu no que deu: o desastre do bolsonarismo.

Repetindo o que publicamos em postagem anterior: o fascismo cresceu com as bênçãos do grande capital, pois serviu aos seus interesses. E pode sobreviver mesmo depois de derrotado pelo mesmo motivo. O nazifascismo pode ser ora funcional, ora disfuncional para os interesses do capital. Não por acaso que a ascensão do fascismo contou com a tolerância, senão entusiasmo, do pai do neoliberalismo, Ludwig Von Mises.

Em” “Liberalismo segundo a tradição clássica” (1927), Mises escreveu:

(…)”Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história. Porém, embora sua política tenha propiciado salvação momentânea, não é do tipo que possa prometer sucesso continuado. O fascismo constitui um expediente de emergência. Encará-lo como algo mais seria um erro fatal.(…)” [ página 77 da edição brasileira]

E qual seria a “melhor das intenções”? A garantia e a promoção da propriedade privada e da livre iniciativa. Mises, temendo que a revolução bolchevique se alastrasse pela Europa, não hesitou em abraçar o nazifascismo.

Um político brasileiro de triste memória disse certa vez:” -Quer estuprar, estupra. Mas não mata!”. É a mesma lógica da escola austríaca:”- Quer sacrificar as liberdades individuais, sacrifique. Mas preserve a propriedade privada e o livre mercado!”

É certo que o saldo trágico do holocausto obrigou Mises e seus discípulos a recorrerem a certos malabarismos conceituais.  Passaram a refutar a barbárie nazifascista igualando-a ao stalinismo, todos enfiados no mesmo saco da categoria de “totalitarismo”. Nasceu aí a bizarrice conceitual de acusar os nazistas de serem “socialistas”, pois impunham a intervenção estatal no domínio da economia, tal como a URSS.

Nessa sofrível e distorcida operação intelectual, Mises acaba por revelar a concepção política dos neoliberais: o que iguala ou distingue regimes políticos ditatoriais dos democráticos seria o respeito à livre iniciativa e à propriedade privada. Foi essa ideia que garantiu ao nazifascismo uma avaliação mais tolerante de Mises. Ainda que ele condenasse as teorias de superioridade racial dos nazistas, não as via como o diferencial fundamental da barbárie.

No livro “Governo Onipotente“, escrito após a tragédia da guerra (1944), Mises condenava o ataque às liberdades individuais e o intervencionismo estatal dos “totalitários”, mas oferecia uma ressalva aos fascistas: estes, ao menos, respeitavam a propriedade privada. Mises faz um contorcionismo quase circense para, na essência, continuar a defender o mesmo fascismo que saudara antes do holocausto como uma espécie de “mal necessário”:

“El modelo alemán difiere del ruso en que, exterior y nominalmente, conserva la propiedad privada de los medios de producción y las apariencias de precios ordinarios, salarios y mercados. Pero ya no existen empresarios; no hay más que gerentes de empresa (Betriebsführers), que son quienes hacen las compras y las ventas, pagan a los obreros, contraen deudas y pagan intereses y amortizaciones. No existe el mercado de trabajo: los sueldos y salarios los fija el gobierno.(…)Es el gobierno, no el consumidor, quien dirige la producción. Se trata de un socialismo bajo la apariencia exterior del capitalismo. Se conservan algunas etiquetas de la economía de mercado, pero significan algo completamente distinto de lo que significan en la auténtica economía de mercado. (…)El sistema alemán tiene otra ventaja. Los capitalistas alemanes y los Betriebsführers, antiguos empresarios, no creen que el régimen nazi sea eterno. Están, por el contrario, convencidos de que el dominio de Hitler acabará un día y que entonces volverán a poseer las plantas industriales que en los días anteriores al nazismo eran de su propiedad.(…)”. [página 93 da edição  em espanhol]

Ou seja, se for para preservar o direito de propriedade, a barbárie se justifica. Se o intervencionismo estatal relegou aos proprietários ao papel de meros gerentes de suas empresas, ao menos eles estão seguros de que irão retomá-las num futuro breve. A base material para sobrevivência do liberalismo está assegurada sob a égide do nazifascismo.

Pobres empresários transformados em meros gerentes! Mises é de um cinismo estonteante (já que não podemos considerá-lo ingênuo). No livro recém-lançado no Brasil, “Bilionários Nazistas”, o seu autor David de Jong prova que os empresários alemães construíram imensas fortunas com a apropriação de empresas tomadas de judeus e uso em larga escala de trabalho escravo. Muito além de meros gerentes, convenhamos.

Essa concepção de Mises foi levada adiante por seus discípulos.  Em O caminho da Servidão Friedrich Hayek destila excrescências como essa:

“(…) Não temos, contudo, a intenção de converter a democracia em fetiche. (…) A democracia é, em essência, um meio, um instrumento utilitário para salvaguardar a paz interna e a liberdade individual. E, como tal, não é, de modo algum, perfeita ou infalível. Tampouco devemos esquecer que muitas vezes houve mais liberdade cultural e espiritual sob os regimes autocráticos do que em certas democracias – e é concebível que, sob o governo de uma maioria muito homogênea e ortodoxa, o regime democrático possa ser tão opressor quanto a pior das ditaduras. Não queremos dizer, contudo, que a ditadura leva inevitavelmente à abolição da liberdade, e sim que a planificação conduz à ditadura porque esta é o instrumento mais eficaz de coerção e de imposição de ideais, sendo, pois, essencial para que o planejamento em larga escala se torne possível. O conflito entre planificação e democracia decorre, simplesmente, do fato de que esta constitui um obstáculo à supressão da liberdade exigida pelo dirigismo econômico. Mas, ainda que a democracia deixe de ser uma garantia da liberdade individual, mesmo assim ela pode subsistir de algum modo num regime totalitário. (…) “. [página 93 da edição brasileira]

A argumentação é tortuosa e conduz a uma inversão curiosa: a democracia pode ser opressora e uma ditadura pode não  levar inevitavelmente à abolição da liberdade… Tudo um grande eufemismo para defender as ditaduras militares com as quais ele e seus discípulos colaboraram, de Salazar a Franco, de Stroessner a Pinochet. Afinal, estas ditaduras eram preferíveis às democracias que, ao combater as desigualdades sociais, ameaçavam os pilares do “livre mercado”. Esta é a razão do neoliberalismo sempre andar de mãos dadas com os neofascismos e os neonazismos. São como unha e carne.

Essa forma de julgar os regimes políticos pela ótica da economia de mercado, é reveladora do neoliberalismo. O aspecto mais trágico e deplorável do nazifascismo – a ideia de superioridade racial – é secundária para os neoliberais. Por isso historicamente o liberalismo conviveu tão bem com a escravidão e o colonialismo, com o extermínio dos povos originários. A tragédia vivida pelo povo Yanomami recentemente se insere perfeitamente nessa lógica neoliberal, que anseia pela exploração predatória da Amazônia (a “livre iniciativa” pela qual tanto clamam).

Para o neoliberalismo, vale tudo. Até mesmo a tolerância com a barbárie, quando “necessária” para os interesses da “economia de mercado”.  Aceitaram o nazifascismo como um mal necessário e temporário, pois foram funcionais para garantir a hegemonia do “livre mercado” quando este se vê ameaçado. Assim sempre estiveram ao lado de inúmeras ditaduras militares que sufocaram demandas da sociedade por mais justiça social.

Esta é a razão dos grandes jornais, porta-vozes do grande capital, serem tolerantes com os fascistas. Sabem que eles podem ser úteis num futuro próximo. A captura dos militares por este ideário foi um casamento perfeito para os neoliberais. É o que, na atualidade, assegura a longevidade da nossa República Bananeira, a maior do planeta.

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Post scriptum

1) Não devemos colocar no mesmo saco o liberalismo clássico, que tem suas virtudes,  com o neoliberalismo da escola austríaca (hoje hegemônico). Noam Chomsky disse certa vez que os neoliberais não leram Adam Smith até o final, ou não defenderiam teses tão esdrúxulas.

2) Neoliberais e nazifascistas estão entre nós, e são muitos. Estão em todas as instituições da sociedade civil e na caserna. Só não são muitos nas instituições de natureza cultural, matéria a qual eles não são lá muito afeitos…Para eles, a crença em pseudo-intelectuais, alguns de bizarrice quase inacreditável (tal como o falecido astrólogo Olavo de Carvalho), satisfaz e acalma a face sádica deles. Sim, neoliberais são, em maior ou menor grau, criaturas sádicas.

 

Numa república bananeira, o golpismo é permanente

A semana termina com mais movimentações da milicada bananeira. O general alçado ao posto de legalista-mor  faz discurso contundente em defesa da democracia e condenando a partidarização das FFAA. Mas vazam imagens de outro general, tido como confiável, ajudando os golpistas na intentona fascista do 8 de janeiro. Pra bom entendedor: o dito general sabia do golpe em andamento e não quis se indispor com os golpistas, certamente porque considerava que o golpe poderia ser bem sucedido. E não estava errado. A decisão de não cair na armadilha de invocar a GLO salvou, literalmente, a nossa pátria da milicada mamateira-fascista.

O golpismo é permanente. E só não avança neste momento por conta de uma conjuntura internacional. Mas essa tensão vai permanecer no nosso cotidiano até o fim do governo, muito provavelmente.

A intentona fascista do 8 de janeiro ainda não acabou. Sem punição para os seus mentores, vai continuar viva. O indiciamento e prisão dos imbecis-úteis que invadiram a Praça dos 3 Poderes não bastará para conter o ânimo dos golpistas. Eles estão incrustados em todas as nossas instituições permanentes, sempre prontos para sabotar o governo e fomentar o caos do qual se alimentam. E os golpistas eleitos continuarão a fazer do Congresso Nacional um picadeiro bizarro.

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Apesar do crescimento consistente em quase todo o mundo na atualidade, o neo-nazifascismo tem colecionado algumas derrotas. O bozo foi uma delas. Mas os liberais sabem usá-los a seu favor e descartá-los quando já cumpriram com o seu serviço sujo.  Porém nada impede que os utilizem novamente. Aliás, os liberais mantêm as bestas de prontidão para qualquer eventualidade. Elas podem voltar a ser funcionais para os donos do capital.

O caso brasileiro é bem delicado. Pela dimensão do país (econômica, territorial, populacional,etc), com recursos que podem alçar o país a uma condição de potência mundial, o Brasil é uma peça valiosa na geopolítica global.

Os EUA sempre sabotaram qualquer tentativa de desenvolvimento soberano, através do que hoje se chama de “guerra híbrida”. Por uma questão meramente conjuntural (a ameaça interna do trumpismo aos democratas e a emergência das questões ambientais), os EUA esvaziaram a intentona fascista no Brasil. Mas cobrarão caro o preço dessa ajuda à precária democracia brasileira. Num momento em que a hegemonia norte-americana está seriamente ameaçada, eles não hesitarão em nos jogar novamente no lodo fascista.

A nossa diplomacia já se viu na contingência de abandonar a neutralidade e condenar a invasão da Rússia na Ucrânia. E agora caminha no fio da navalha, ao buscar um aprofundamento nas relações econômicas com a China, ao mesmo tempo em que não quer provocar a ira do Tio Sam.  Que nosso governo e nossa diplomacia tenham habilidade e sabedoria para sobreviver nesse terreno pantanoso.

O Brasil tem um único grande trunfo no cenário global: a questão ambiental. O mundo sabe disso. A União Europeia acaba de nos chantagear, exigindo resultados práticos antes de liberar fundos.Claro que, antes da “pungente preocupação” em proteger nossas florestas, o que está em jogo são trade-offs, a busca de vantagens comerciais para o velho continente (vide o Acordo Mercosul-UE, em que eles ganham muito e nós quase nada).  E ainda nos exigem um alinhamento com a OTAN no caso da Ucrânia. O jogo é duro.

Assim, o governo se vê limitado em sua capacidade de ação e faz concessões espúrias. O Governo Lula está em permanente estado de sítio, se equilibrando entre as chantagens do mercado e as demandas patrimonialistas de um parlamento podre, entre a conciliação com os militares e punição aos golpistas do 8 de janeiro, entre a afirmação da soberania nacional e ameaça de intervenções da guerra híbrida.

Só a mobilização da sociedade civil organizada poderá ser capaz de  empurrar o nazifascismo de volta pro armário e dar suporte para uma estratégia soberana para o nosso país. Uma mobilização que, até o momento, não veio. Aí é que mora o maior perigo.

INTERNACIONAL BANANEIRA

O neo-nazifascismo ainda vai nos infernizar por um bom tempo. Isto porque é, também, um fenômeno mundial.  Existe um ensaio da  Hannah Arendt, publicado em junho 1945, intitulado ” As sementes de uma internacional fascista”.  A autora alertava que a derrota do nazifascismo não significou o seu fim para os seus partidários, mas apenas um revés temporário. A derrota teria até mesmo reafirmado a crença deles: fora da ordem fascista, resta somente o caos. Aliás, eles semeiam o caos para “fabricar” esta verdade.E, ao perder o controle da máquina estatal, livres da responsabilidade de governar, ganharam uma maior liberdade de ação.

É o que vemos no Brasil pós-bolsonaro.  Uma sabotagem constante, que ainda conta com os “independentes” que sobrevivem na máquina pública com seus mandatos intocáveis, do Banco Central às Agências Reguladoras, dos órgãos militares aos incrustados no sistema de justiça. Sem falar nos que conquistaram mandatos parlamentares, nas urnas eletrônicas que diziam ser fraudulentas.

Voltando a Arendt, ela concluiu que o fascismo continuaria a existir internacionalmente com fundamentos racistas, nacionalistas e antissemitas. Pela via acadêmica, ela chegou à mesma conclusão do dramaturgo seu conterrâneo, Bertold Brecht (“a cadela do fascismo está sempre no cio”).

É uma observação importante da Arendt: o nazifascismo é um fenômeno internacional e a luta contra ele deve levar isso em conta. É preciso, no nosso caso, que a barbárie do bolsonarismo, desse nazifascismo brasileiro, repercuta em todo o mundo democrático. As imagens do Auschwitz Yanomami correram o mundo e assim deve continuar a acontecer. A questão ambiental deve estar em evidência constante. É o grande trunfo que temos para que as nações ditas democráticas não silenciem diante dos ataques à nossa frágil democracia.

A lacuna que Arendt não preenche, em razão da limitação da sua visão liberal, é que o sucesso do fascismo depende das movimentações e interesses do grande capital.  Para suprirmos essa lacuna, temos o livro do norte-americano Michel Parenti, lançado recentemente no Brasil: “Os camisas negras e a esquerda radical: fascismo racional e a derrubada do comunismo”. O autor salienta que fascismo cresceu com as bênçãos do grande capital, pois foi funcional aos seus interesses. E pode sobreviver mesmo depois de derrotado pelo mesmo motivo.

Parenti também se debruça sobre um tema geralmente negligenciado pelos pesquisadores: a cooperação dos aliados ocidentais com fascismo. Com exceção do julgamento das principais lideranças nazistas em Nuremberg, “a polícia, os tribunais, as Forças Armadas, às agências de segurança e a burocracia permaneceram, em grande medida, nas mãos de indivíduos que haviam trabalhado para os antigos regimes fascistas ou nas de seus recrutas ideológicos”.  Foi isso o que permitiu que redes fascistas sobrevivessem e continuassem a agir até os dias de hoje. Voltando à alegoria de Brecht, a “cadela no cio” permanece sempre pronta para ser fecundada e parir novas bestas.

O Tio Sam nos ajudou a frustrar um golpe fascista, milico-bananeiro. Porém, a qualquer momento, conforme seus interesses sejam contrariados, pode voltar a insuflar o golpismo. Nossa democracia, sem um sólida base de apoio popular organizada e mobilizada, permanece frágil.

Pizza de banana saindo

A esperança de que os militares golpistas seriam punidos vai se desfazendo, como se previa. Não teremos nossa “Argentina 1985”.  Alguns bodes expiatórios serão sacrificados, oficiais de médio escalão, mas tudo seguirá como dantes no quartel de abrantes.  Os militares bananeiros estão fazendo um recuo tático.  No geral, podem se considerar vitoriosos, apesar de terem que entregar alguns anéis.
Comandantes militares e juízes do STM capricham nos discursos legalistas que fazem parte da receita do pizzaiolo. Medidas anunciadas para “despolitizar” a caserna também são ingredientes. E uma pitada de afagos, como promessa de modernizar as FFAA, antes de levar a pizza ao forno.
Tivemos a revelação de altos oficiais se prestando ao papel de muambeiros, contrabandistas de jóias milionários presenteadas a título sabe-se lá de que. Descobre-se um orçamento secreto para gastos militares no exterior ao arrepio da lei. Mas nada disso provoca o cancelamento da pizza de banana que está assando no forno do Planalto.
Não dá pra colocar na conta do presidente eleito. Com a apatia reinante na oposição de esquerda, tanto nos partidos políticos quanto na sociedade civil organizada, não há como dar suporte a um enfrentamento maior. Se até foto de deputado sorridente ao lado de general genocida tá valendo, não há como prosseguir.
Enquanto isso, o general eleito senador, desfia um rosário de obscenidades em entrevista a um grande jornal. Um retrato real do pensamento predominante na caserna, sem o filtro da dissimulação que sai nos discursos oficiais.
Numa República bananeira, o golpismo é permanente. No dia 31 de março teremos mais um ensaio golpista. E ainda vai ter gente se dizendo surpreendida.
Desbananificar o Brasil será uma tarefa para as novas gerações. Esta já perdeu a batalha.

BANANAS MANCHADAS

Os militares bananeiros não suportam ouvir críticas. Se julgam superiores aos reles paisanos e moralmente quase perfeitos. Qualquer acusação pontual a um de seus membros é repudiada de forma raivosa e ainda acenam com o código penal militar, que pune quem ataque a hora da instituição. Ou seja, um por todos , todos por um, lema seguido ao pé da letra, muito além da lealdade dos mosqueteiros do romance de Alexandre Dumas.

Se os militares se restringissem às suas funções constitucionais e às suas ações sociais (a mão amiga que presta serviços relevantes à população nos rincões do país), não abririam flancos para as críticas que recebem. Mas não: insistem na ideia de que são um poder moderador, tutores da vida civil, com o direito de intervir na ordem política do país. Preferem tapar o sol com a peneira.

Nunca acumularam um histórico de vexames num período tão curto quanto os quatro anos de desgoverno do inominável, que patrocinaram e sustentaram. Agora se vêem na contingência de pagar o preço pela própria irresponsabilidade.  Não com punições aos seus quadros, que sempre dão um jeito de impedir. Mas a imagem da instituição está mergulhada na lama. E vai demorar pra limpar toda a sujeira que ficou nas fardas. Porque eles não reconhecem que estão sujas de lama, chorume e sangue.

Os exemplos são muitos, com destaque para o tráfico de cocaína em avião oficial, a gestão criminosa do ministério da saúde, a tentativa de oficiais de faturarem com superfaturamento de vacinas, a cumplicidade com a tragédia yanomani.

Mas vexame, dos grandes mesmo, veio no ato final: a mobilização de inúmeros fardados graduados para perpetrar um crime contra a receita federal, a tentativa de resgatar jóias de valores milionários para incorporação criminosa no patrimônio pessoal daquele que eles chamam de “mito”.

A decadência dos nossos militares bananeiros chegou ao fundo do poço. Talvez consigam livrar seus comparsas de punições graves. Mas não há tira-manchas no mercado capaz de livrá-los da desmoralização. Não terá ameaça de código penal militar pra dar jeito nisso.

BANANAS, CASCA E POLPA

A fruta mais popular do país, que nos define enquanto sistema político (república das bananas) é composta de duas partes: a casca, a superfície aparente, que oculta dos nossos olhos a polpa, que contém a essência do fruto.

Entre a aparência e a essência de uma fruta há diferenças brutais. Não se pode confundi-las. Assim como devemos nos cuidar diante da aparência dos atos cotidianos, que muita das vezes oculta a essência  das suas reais intenções.

Nos últimos dias, com certa dose de otimismo, muita ênfase foi dada na casca da nossa república bananeira.

Um curioso “vazamento” revelou a compreensão de um comandante sobre o papel dos militares que, mesmo descontentes com o resultado eleitoral, deveriam submeter-se à ordem legal. Algumas vozes do STM concordaram que militares envolvidos no ataque aos poderes do dia 8 de janeiro sejam julgados pelo STF. Um jornalista sénior, notório por psicografar autoridades falecidas e desejosas de dar conselhos sobre a ação dos vivos (alguns vivíssimos e até alguns vivaldinos) discorreu sobre a inutilidade do debate sobre a revisão do artigo 142 da Constituição. O argumento utilizado, óbvio e ululante (como diria Nélson Rodrigues), destaca que quem quer dar um golpe pouco se importa com impedimentos constitucionais. Para completar o cenário,divulgou-se o anúncio da supressão da ordem do dia da caserna em louvor ao 31 de março de 1964.

Ora, ora, ora. Tudo casca de banana que, como é notório, pode provocar tombos vexatórios nos incautos.

A ausência de condições objetivas para um golpe frustrou a caserna. Essa era a vontade majoritária no meio castrense. Como são treinados em estratégias e táticas de combate, sabem a hora de recuar e sabem dissimular suas reais intenções. Em paralelo, negociam a ocupação de espaços de importância tática no terreno político. E lá permanecerão de forma sorrateira, à espera de uma oportunidade para, se possível, atacar novamente. O DNA golpista sempre fala mais alto.

Nós sabemos o que os militares ditos “legalistas” e “moderados” pensam e despudoradamente disseram em verões passados.

Yes, nós temos bananas!