Aquivos por Autor: zezecabrasil
LIBERAIS E FASCISTAS: FRUTOS DO MESMO CACHO DA REPÚBLICA BANANEIRA
No passado, existiram militares bananeiros no Brasil que, ao menos, tinham sonhos desenvolvimentistas e um projeto de nação soberana. O anticomunismo arraigado não os impedia de promover o investimento estatal em indústrias de base estratégicas, inclusive visando o domínio do ciclo completo da tecnologia nuclear e aeroespacial.
Curiosamente, com o fim da guerra fria, vimos os “intelectuais” da caserna abraçarem o mais tosco liberalismo que se conhece, o da escola austríaca. O DNA fascista dos nossos militares se casou perfeitamente com o neoliberalismo mais rastaqueiro. Junte-se a isso o anseio por ampliar o acesso ao orçamento público para garantir mamatas descaradas para a caserna. Esse casamento de conveniência deu no que deu: o desastre do bolsonarismo.
Repetindo o que publicamos em postagem anterior: o fascismo cresceu com as bênçãos do grande capital, pois serviu aos seus interesses. E pode sobreviver mesmo depois de derrotado pelo mesmo motivo. O nazifascismo pode ser ora funcional, ora disfuncional para os interesses do capital. Não por acaso que a ascensão do fascismo contou com a tolerância, senão entusiasmo, do pai do neoliberalismo, Ludwig Von Mises.
Em” “Liberalismo segundo a tradição clássica” (1927), Mises escreveu:
(…)”Não se pode negar que o fascismo e movimentos semelhantes, visando ao estabelecimento de ditaduras, estejam cheios das melhores intenções e que sua intervenção, até o momento, salvou a civilização europeia. O mérito que, por isso, o fascismo obteve para si estará inscrito na história. Porém, embora sua política tenha propiciado salvação momentânea, não é do tipo que possa prometer sucesso continuado. O fascismo constitui um expediente de emergência. Encará-lo como algo mais seria um erro fatal.(…)” [ página 77 da edição brasileira]
E qual seria a “melhor das intenções”? A garantia e a promoção da propriedade privada e da livre iniciativa. Mises, temendo que a revolução bolchevique se alastrasse pela Europa, não hesitou em abraçar o nazifascismo.
Um político brasileiro de triste memória disse certa vez:” -Quer estuprar, estupra. Mas não mata!”. É a mesma lógica da escola austríaca:”- Quer sacrificar as liberdades individuais, sacrifique. Mas preserve a propriedade privada e o livre mercado!”
É certo que o saldo trágico do holocausto obrigou Mises e seus discípulos a recorrerem a certos malabarismos conceituais. Passaram a refutar a barbárie nazifascista igualando-a ao stalinismo, todos enfiados no mesmo saco da categoria de “totalitarismo”. Nasceu aí a bizarrice conceitual de acusar os nazistas de serem “socialistas”, pois impunham a intervenção estatal no domínio da economia, tal como a URSS.
Nessa sofrível e distorcida operação intelectual, Mises acaba por revelar a concepção política dos neoliberais: o que iguala ou distingue regimes políticos ditatoriais dos democráticos seria o respeito à livre iniciativa e à propriedade privada. Foi essa ideia que garantiu ao nazifascismo uma avaliação mais tolerante de Mises. Ainda que ele condenasse as teorias de superioridade racial dos nazistas, não as via como o diferencial fundamental da barbárie.
No livro “Governo Onipotente“, escrito após a tragédia da guerra (1944), Mises condenava o ataque às liberdades individuais e o intervencionismo estatal dos “totalitários”, mas oferecia uma ressalva aos fascistas: estes, ao menos, respeitavam a propriedade privada. Mises faz um contorcionismo quase circense para, na essência, continuar a defender o mesmo fascismo que saudara antes do holocausto como uma espécie de “mal necessário”:
“El modelo alemán difiere del ruso en que, exterior y nominalmente, conserva la propiedad privada de los medios de producción y las apariencias de precios ordinarios, salarios y mercados. Pero ya no existen empresarios; no hay más que gerentes de empresa (Betriebsführers), que son quienes hacen las compras y las ventas, pagan a los obreros, contraen deudas y pagan intereses y amortizaciones. No existe el mercado de trabajo: los sueldos y salarios los fija el gobierno.(…)Es el gobierno, no el consumidor, quien dirige la producción. Se trata de un socialismo bajo la apariencia exterior del capitalismo. Se conservan algunas etiquetas de la economía de mercado, pero significan algo completamente distinto de lo que significan en la auténtica economía de mercado. (…)El sistema alemán tiene otra ventaja. Los capitalistas alemanes y los Betriebsführers, antiguos empresarios, no creen que el régimen nazi sea eterno. Están, por el contrario, convencidos de que el dominio de Hitler acabará un día y que entonces volverán a poseer las plantas industriales que en los días anteriores al nazismo eran de su propiedad.(…)”. [página 93 da edição em espanhol]
Ou seja, se for para preservar o direito de propriedade, a barbárie se justifica. Se o intervencionismo estatal relegou aos proprietários ao papel de meros gerentes de suas empresas, ao menos eles estão seguros de que irão retomá-las num futuro breve. A base material para sobrevivência do liberalismo está assegurada sob a égide do nazifascismo.
Pobres empresários transformados em meros gerentes! Mises é de um cinismo estonteante (já que não podemos considerá-lo ingênuo). No livro recém-lançado no Brasil, “Bilionários Nazistas”, o seu autor David de Jong prova que os empresários alemães construíram imensas fortunas com a apropriação de empresas tomadas de judeus e uso em larga escala de trabalho escravo. Muito além de meros gerentes, convenhamos.
Essa concepção de Mises foi levada adiante por seus discípulos. Em O caminho da Servidão Friedrich Hayek destila excrescências como essa:
“(…) Não temos, contudo, a intenção de converter a democracia em fetiche. (…) A democracia é, em essência, um meio, um instrumento utilitário para salvaguardar a paz interna e a liberdade individual. E, como tal, não é, de modo algum, perfeita ou infalível. Tampouco devemos esquecer que muitas vezes houve mais liberdade cultural e espiritual sob os regimes autocráticos do que em certas democracias – e é concebível que, sob o governo de uma maioria muito homogênea e ortodoxa, o regime democrático possa ser tão opressor quanto a pior das ditaduras. Não queremos dizer, contudo, que a ditadura leva inevitavelmente à abolição da liberdade, e sim que a planificação conduz à ditadura porque esta é o instrumento mais eficaz de coerção e de imposição de ideais, sendo, pois, essencial para que o planejamento em larga escala se torne possível. O conflito entre planificação e democracia decorre, simplesmente, do fato de que esta constitui um obstáculo à supressão da liberdade exigida pelo dirigismo econômico. Mas, ainda que a democracia deixe de ser uma garantia da liberdade individual, mesmo assim ela pode subsistir de algum modo num regime totalitário. (…) “. [página 93 da edição brasileira]
A argumentação é tortuosa e conduz a uma inversão curiosa: a democracia pode ser opressora e uma ditadura pode não levar inevitavelmente à abolição da liberdade… Tudo um grande eufemismo para defender as ditaduras militares com as quais ele e seus discípulos colaboraram, de Salazar a Franco, de Stroessner a Pinochet. Afinal, estas ditaduras eram preferíveis às democracias que, ao combater as desigualdades sociais, ameaçavam os pilares do “livre mercado”. Esta é a razão do neoliberalismo sempre andar de mãos dadas com os neofascismos e os neonazismos. São como unha e carne.
Essa forma de julgar os regimes políticos pela ótica da economia de mercado, é reveladora do neoliberalismo. O aspecto mais trágico e deplorável do nazifascismo – a ideia de superioridade racial – é secundária para os neoliberais. Por isso historicamente o liberalismo conviveu tão bem com a escravidão e o colonialismo, com o extermínio dos povos originários. A tragédia vivida pelo povo Yanomami recentemente se insere perfeitamente nessa lógica neoliberal, que anseia pela exploração predatória da Amazônia (a “livre iniciativa” pela qual tanto clamam).
Para o neoliberalismo, vale tudo. Até mesmo a tolerância com a barbárie, quando “necessária” para os interesses da “economia de mercado”. Aceitaram o nazifascismo como um mal necessário e temporário, pois foram funcionais para garantir a hegemonia do “livre mercado” quando este se vê ameaçado. Assim sempre estiveram ao lado de inúmeras ditaduras militares que sufocaram demandas da sociedade por mais justiça social.
Esta é a razão dos grandes jornais, porta-vozes do grande capital, serem tolerantes com os fascistas. Sabem que eles podem ser úteis num futuro próximo. A captura dos militares por este ideário foi um casamento perfeito para os neoliberais. É o que, na atualidade, assegura a longevidade da nossa República Bananeira, a maior do planeta.
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Post scriptum
1) Não devemos colocar no mesmo saco o liberalismo clássico, que tem suas virtudes, com o neoliberalismo da escola austríaca (hoje hegemônico). Noam Chomsky disse certa vez que os neoliberais não leram Adam Smith até o final, ou não defenderiam teses tão esdrúxulas.
2) Neoliberais e nazifascistas estão entre nós, e são muitos. Estão em todas as instituições da sociedade civil e na caserna. Só não são muitos nas instituições de natureza cultural, matéria a qual eles não são lá muito afeitos…Para eles, a crença em pseudo-intelectuais, alguns de bizarrice quase inacreditável (tal como o falecido astrólogo Olavo de Carvalho), satisfaz e acalma a face sádica deles. Sim, neoliberais são, em maior ou menor grau, criaturas sádicas.
Numa república bananeira, o golpismo é permanente
A semana termina com mais movimentações da milicada bananeira. O general alçado ao posto de legalista-mor faz discurso contundente em defesa da democracia e condenando a partidarização das FFAA. Mas vazam imagens de outro general, tido como confiável, ajudando os golpistas na intentona fascista do 8 de janeiro. Pra bom entendedor: o dito general sabia do golpe em andamento e não quis se indispor com os golpistas, certamente porque considerava que o golpe poderia ser bem sucedido. E não estava errado. A decisão de não cair na armadilha de invocar a GLO salvou, literalmente, a nossa pátria da milicada mamateira-fascista.
O golpismo é permanente. E só não avança neste momento por conta de uma conjuntura internacional. Mas essa tensão vai permanecer no nosso cotidiano até o fim do governo, muito provavelmente.
A intentona fascista do 8 de janeiro ainda não acabou. Sem punição para os seus mentores, vai continuar viva. O indiciamento e prisão dos imbecis-úteis que invadiram a Praça dos 3 Poderes não bastará para conter o ânimo dos golpistas. Eles estão incrustados em todas as nossas instituições permanentes, sempre prontos para sabotar o governo e fomentar o caos do qual se alimentam. E os golpistas eleitos continuarão a fazer do Congresso Nacional um picadeiro bizarro.
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Apesar do crescimento consistente em quase todo o mundo na atualidade, o neo-nazifascismo tem colecionado algumas derrotas. O bozo foi uma delas. Mas os liberais sabem usá-los a seu favor e descartá-los quando já cumpriram com o seu serviço sujo. Porém nada impede que os utilizem novamente. Aliás, os liberais mantêm as bestas de prontidão para qualquer eventualidade. Elas podem voltar a ser funcionais para os donos do capital.
O caso brasileiro é bem delicado. Pela dimensão do país (econômica, territorial, populacional,etc), com recursos que podem alçar o país a uma condição de potência mundial, o Brasil é uma peça valiosa na geopolítica global.
Os EUA sempre sabotaram qualquer tentativa de desenvolvimento soberano, através do que hoje se chama de “guerra híbrida”. Por uma questão meramente conjuntural (a ameaça interna do trumpismo aos democratas e a emergência das questões ambientais), os EUA esvaziaram a intentona fascista no Brasil. Mas cobrarão caro o preço dessa ajuda à precária democracia brasileira. Num momento em que a hegemonia norte-americana está seriamente ameaçada, eles não hesitarão em nos jogar novamente no lodo fascista.
A nossa diplomacia já se viu na contingência de abandonar a neutralidade e condenar a invasão da Rússia na Ucrânia. E agora caminha no fio da navalha, ao buscar um aprofundamento nas relações econômicas com a China, ao mesmo tempo em que não quer provocar a ira do Tio Sam. Que nosso governo e nossa diplomacia tenham habilidade e sabedoria para sobreviver nesse terreno pantanoso.
O Brasil tem um único grande trunfo no cenário global: a questão ambiental. O mundo sabe disso. A União Europeia acaba de nos chantagear, exigindo resultados práticos antes de liberar fundos.Claro que, antes da “pungente preocupação” em proteger nossas florestas, o que está em jogo são trade-offs, a busca de vantagens comerciais para o velho continente (vide o Acordo Mercosul-UE, em que eles ganham muito e nós quase nada). E ainda nos exigem um alinhamento com a OTAN no caso da Ucrânia. O jogo é duro.
Assim, o governo se vê limitado em sua capacidade de ação e faz concessões espúrias. O Governo Lula está em permanente estado de sítio, se equilibrando entre as chantagens do mercado e as demandas patrimonialistas de um parlamento podre, entre a conciliação com os militares e punição aos golpistas do 8 de janeiro, entre a afirmação da soberania nacional e ameaça de intervenções da guerra híbrida.
Só a mobilização da sociedade civil organizada poderá ser capaz de empurrar o nazifascismo de volta pro armário e dar suporte para uma estratégia soberana para o nosso país. Uma mobilização que, até o momento, não veio. Aí é que mora o maior perigo.
INTERNACIONAL BANANEIRA
O neo-nazifascismo ainda vai nos infernizar por um bom tempo. Isto porque é, também, um fenômeno mundial. Existe um ensaio da Hannah Arendt, publicado em junho 1945, intitulado ” As sementes de uma internacional fascista”. A autora alertava que a derrota do nazifascismo não significou o seu fim para os seus partidários, mas apenas um revés temporário. A derrota teria até mesmo reafirmado a crença deles: fora da ordem fascista, resta somente o caos. Aliás, eles semeiam o caos para “fabricar” esta verdade.E, ao perder o controle da máquina estatal, livres da responsabilidade de governar, ganharam uma maior liberdade de ação.
É o que vemos no Brasil pós-bolsonaro. Uma sabotagem constante, que ainda conta com os “independentes” que sobrevivem na máquina pública com seus mandatos intocáveis, do Banco Central às Agências Reguladoras, dos órgãos militares aos incrustados no sistema de justiça. Sem falar nos que conquistaram mandatos parlamentares, nas urnas eletrônicas que diziam ser fraudulentas.
Voltando a Arendt, ela concluiu que o fascismo continuaria a existir internacionalmente com fundamentos racistas, nacionalistas e antissemitas. Pela via acadêmica, ela chegou à mesma conclusão do dramaturgo seu conterrâneo, Bertold Brecht (“a cadela do fascismo está sempre no cio”).
É uma observação importante da Arendt: o nazifascismo é um fenômeno internacional e a luta contra ele deve levar isso em conta. É preciso, no nosso caso, que a barbárie do bolsonarismo, desse nazifascismo brasileiro, repercuta em todo o mundo democrático. As imagens do Auschwitz Yanomami correram o mundo e assim deve continuar a acontecer. A questão ambiental deve estar em evidência constante. É o grande trunfo que temos para que as nações ditas democráticas não silenciem diante dos ataques à nossa frágil democracia.
A lacuna que Arendt não preenche, em razão da limitação da sua visão liberal, é que o sucesso do fascismo depende das movimentações e interesses do grande capital. Para suprirmos essa lacuna, temos o livro do norte-americano Michel Parenti, lançado recentemente no Brasil: “Os camisas negras e a esquerda radical: fascismo racional e a derrubada do comunismo”. O autor salienta que fascismo cresceu com as bênçãos do grande capital, pois foi funcional aos seus interesses. E pode sobreviver mesmo depois de derrotado pelo mesmo motivo.
Parenti também se debruça sobre um tema geralmente negligenciado pelos pesquisadores: a cooperação dos aliados ocidentais com fascismo. Com exceção do julgamento das principais lideranças nazistas em Nuremberg, “a polícia, os tribunais, as Forças Armadas, às agências de segurança e a burocracia permaneceram, em grande medida, nas mãos de indivíduos que haviam trabalhado para os antigos regimes fascistas ou nas de seus recrutas ideológicos”. Foi isso o que permitiu que redes fascistas sobrevivessem e continuassem a agir até os dias de hoje. Voltando à alegoria de Brecht, a “cadela no cio” permanece sempre pronta para ser fecundada e parir novas bestas.
O Tio Sam nos ajudou a frustrar um golpe fascista, milico-bananeiro. Porém, a qualquer momento, conforme seus interesses sejam contrariados, pode voltar a insuflar o golpismo. Nossa democracia, sem um sólida base de apoio popular organizada e mobilizada, permanece frágil.
Pizza de banana saindo
BANANAS MANCHADAS
Os militares bananeiros não suportam ouvir críticas. Se julgam superiores aos reles paisanos e moralmente quase perfeitos. Qualquer acusação pontual a um de seus membros é repudiada de forma raivosa e ainda acenam com o código penal militar, que pune quem ataque a hora da instituição. Ou seja, um por todos , todos por um, lema seguido ao pé da letra, muito além da lealdade dos mosqueteiros do romance de Alexandre Dumas.
Se os militares se restringissem às suas funções constitucionais e às suas ações sociais (a mão amiga que presta serviços relevantes à população nos rincões do país), não abririam flancos para as críticas que recebem. Mas não: insistem na ideia de que são um poder moderador, tutores da vida civil, com o direito de intervir na ordem política do país. Preferem tapar o sol com a peneira.
Nunca acumularam um histórico de vexames num período tão curto quanto os quatro anos de desgoverno do inominável, que patrocinaram e sustentaram. Agora se vêem na contingência de pagar o preço pela própria irresponsabilidade. Não com punições aos seus quadros, que sempre dão um jeito de impedir. Mas a imagem da instituição está mergulhada na lama. E vai demorar pra limpar toda a sujeira que ficou nas fardas. Porque eles não reconhecem que estão sujas de lama, chorume e sangue.
Os exemplos são muitos, com destaque para o tráfico de cocaína em avião oficial, a gestão criminosa do ministério da saúde, a tentativa de oficiais de faturarem com superfaturamento de vacinas, a cumplicidade com a tragédia yanomani.
Mas vexame, dos grandes mesmo, veio no ato final: a mobilização de inúmeros fardados graduados para perpetrar um crime contra a receita federal, a tentativa de resgatar jóias de valores milionários para incorporação criminosa no patrimônio pessoal daquele que eles chamam de “mito”.
A decadência dos nossos militares bananeiros chegou ao fundo do poço. Talvez consigam livrar seus comparsas de punições graves. Mas não há tira-manchas no mercado capaz de livrá-los da desmoralização. Não terá ameaça de código penal militar pra dar jeito nisso.
BANANAS, CASCA E POLPA
A fruta mais popular do país, que nos define enquanto sistema político (república das bananas) é composta de duas partes: a casca, a superfície aparente, que oculta dos nossos olhos a polpa, que contém a essência do fruto.
Entre a aparência e a essência de uma fruta há diferenças brutais. Não se pode confundi-las. Assim como devemos nos cuidar diante da aparência dos atos cotidianos, que muita das vezes oculta a essência das suas reais intenções.
Nos últimos dias, com certa dose de otimismo, muita ênfase foi dada na casca da nossa república bananeira.
Um curioso “vazamento” revelou a compreensão de um comandante sobre o papel dos militares que, mesmo descontentes com o resultado eleitoral, deveriam submeter-se à ordem legal. Algumas vozes do STM concordaram que militares envolvidos no ataque aos poderes do dia 8 de janeiro sejam julgados pelo STF. Um jornalista sénior, notório por psicografar autoridades falecidas e desejosas de dar conselhos sobre a ação dos vivos (alguns vivíssimos e até alguns vivaldinos) discorreu sobre a inutilidade do debate sobre a revisão do artigo 142 da Constituição. O argumento utilizado, óbvio e ululante (como diria Nélson Rodrigues), destaca que quem quer dar um golpe pouco se importa com impedimentos constitucionais. Para completar o cenário,divulgou-se o anúncio da supressão da ordem do dia da caserna em louvor ao 31 de março de 1964.
Ora, ora, ora. Tudo casca de banana que, como é notório, pode provocar tombos vexatórios nos incautos.
A ausência de condições objetivas para um golpe frustrou a caserna. Essa era a vontade majoritária no meio castrense. Como são treinados em estratégias e táticas de combate, sabem a hora de recuar e sabem dissimular suas reais intenções. Em paralelo, negociam a ocupação de espaços de importância tática no terreno político. E lá permanecerão de forma sorrateira, à espera de uma oportunidade para, se possível, atacar novamente. O DNA golpista sempre fala mais alto.
Nós sabemos o que os militares ditos “legalistas” e “moderados” pensam e despudoradamente disseram em verões passados.
Yes, nós temos bananas!
BANANAS FOREVER? (1)
Como ocorre tradicionalmente no Brasil, parece que mais uma vez se fugirá do enfrentamento com os militares bananeiros. Uma punição simbólica aqui ou acolá, o sacrifício de alguns no triste papel de “bode expiatório”, nada de muito contundente. E ainda testemunharemos o sutil deboche da caserna, da impunidade grassando, a absolvição de golpistas com argumentos patéticos. Cereja do bolo, vemos até a nomeação de alguns conspiradores notórios para cargos relevantes na corporação. Claro que, em nome de uma pacificação transitória, teremos alguns discursos vigorosos de defesa da legalidade para enganar incautos. Mas nada esconde o fato de que nossos militares foram e são golpistas. Se os militares bananeiros não avançaram o sinal foi porque o Tio Sam mandou o recado: “- segurem seus impulsos por aí”. Disciplinados que são diante de quem reconhecem como autoridade hierarquicamente superior, ainda que a contragosto, nossos “nacionalistas” fardados literalmente entubaram. Mas são golpistas congênitos e, talvez sonhando com o retorno do Trump, apenas esperam uma nova oportunidade para se pendurar nas tetas da viúva..
Nem com todo carisma, popularidade e habilidade política Lula será capaz de puni-los como deveriam. Tampouco nenhuma força política o fará. Só a sociedade civil organizada, mobilizada e atuante poderá empurrar este pretenso “poder moderador” para dentro dos quartéis e lá permanecer.
Portanto, para se livrar do destino de ser uma eterna república bananeira, o Brasil tem pela frente um grande desafio. A tarefa mais imediata é empurrar o nazifascismo brasileiro de volta ao esgoto de onde saiu. Este é o primeiro passo para derrotá-lo, muito mais além da vitória eleitoral.
Antes de prosseguir, cabe uma uma observação. Nossos cientistas sociais, nossos acadêmicos, vão debater até o fim dos tempos da pertinência de se usar os conceitos de nazismo e fascismo para se referir ao atual momento histórico vivido pelo Brasil. Não que se trate de uma discussão bizantina (a discussão sobre o sexo dos anjos enquanto os Otomanos tomavam Constantinopla). A ciência, com seu rigor metodológico e conceitual, nos permite compreender melhor o mundo em que vivemos e nos capacitar para construir alternativas. No entanto, na ação política cotidiana, na esfera comunicacional, a urgência não nos permite certos pruridos conceituais. Umberto Eco sistematizou o que ele chamou de fascismo eterno (Ur-fascismo). São atos comunicativos comuns a todas as tendências políticas de extrema-direita ao longo da história contemporânea. Não necessariamente a-históricos, mas que ganham características peculiares em cada país em que se instalam.
O que nós enfrentamos é a forma como o nazifascismo contemporâneo se constituiu no Brasil, que é o legado deixado por Bolsonaro. Um nazifascismo que no passado emergiu sob o manto do Integralismo, que na atualidade tomou a forma dessa coisa abjeta que é o bolsonarismo. Não chega a ser algo novo, pois isto sempre existiu entre nós. E vai continuar existindo. Como escreveu Bertold Brecht na sua paródia do nazismo (A resistível ascensão de Arturo Ui), “a cadela do fascismo está sempre no cio”. O desafio civilizatório é mantê-la contida, impedindo-a de parir novos seres imundos.
Não temos pela frente uma tarefa fácil. Além da sombra da quartelada dos milicos bananeiros, há uma extrema direita barulhenta no Congresso, em torno da qual deve ser erguida um forte cordão sanitário. A ela se somam alguns governadores, a quase totalidade dos militares, um grande contingente de agentes públicos incrustados em todas as nossas instituições permanentes (de forma mais preocupante no sistema de justiça). E o pior: uma base social que reúne uma numerosa classe média ressentida, somada a um lumpesinato sem horizontes, milicianos, empresários do ogronegócio, neo-escravagistas, proto-assassinos torpes protegidos por CACs, estelionatários e toda sorte de criminosos comuns. A ficha corrida dos detidos nos atos terroristas de 8 de janeiro nos deram um representativo retrato dessa turma.
Puni-los de forma exemplar pelos atentados contra o Estado Democrático de Direito, sem qualquer condescendência, seria imperativo. Mas o impulso para que façamos aqui algo parecido com o mostrado no filme “Argentina 1985” vai se esgotando rapidamente.
E o tempo é curto. Diríamos que somente até as eleições norte-americanas no final de 2024. Até lá contaremos com uma relativa complacência, um discreto apoio dos democratas do Tio Sam. Somente porque eles estão sob a ameaça do retorno do trumpismo. O nosso projeto de um país soberano logo voltará a ser torpedeado. Lula tem habilidade suficiente para administrar essa relação, por enquanto. Depois, seja qual for o resultado da eleição norte-americana, voltaremos a ser sabotados. Repetimos, mesmo que para alguns pareça uma análise simplista: a posição dos EUA teve um peso decisivo para que os militares não colocassem as suas manguinhas de fora e dessem mais uma quartelada esdrúxula.
Estamos no meio de uma guerra comunicacional na qual os inimigos partiram na frente e fizeram um estrago imenso. Ao Governo cabem muitas responsabilidades, atitudes e políticas públicas para reverter o estrago feito. Mas sem o engajamento da sociedade civil, de forma organizada e autônoma, não derrotaremos o nazifascismo brazuca.
“Desnazificar” o Brasil não será tarefa fácil. Mas isso é assunto para uma próxima postagem.
BANANA REPUBLIC DAY
Nova efeméride pátria: 8 de Janeiro, Dia da Maior República das Bananas do Planeta! Parabéns as nossas gloriosas FFAA por ter nos proporcionado este dia!
Não foi por falta de aviso. Não foram poucos os que alertaram que, em algum momento, teríamos a “invasão do capitólio” versão brazuca. Mas deixaram o absurdo acontecer.
A tática também era sabida. Cientes de que uma quartelada tradicional teria um amplo repúdio da comunidade internacional, uma empreitada destinada ao fracasso, estimularam de forma calhorda e criminosa que lunáticos de toda espécie provocassem um caos. As FFAA aguardaram ansiosamente pelo chamado para “restaurar a lei e a ordem”.
Talvez planejassem se somar aos lunáticos e dar o golpe, se houvesse uma grande mobilização pelo país. Porém o mais provável é que pretendessem aumentar o seu poder de barganha e tutela diante do novo governo, para defender cargos e mamatas na máquina pública. Mas Lula não caiu nessa armadilha, tramada com a inação cúmplice de seu próprio Ministro da Defesa, pasmem.
Com o leite derramado, tem muita gente especulando sobre como isso foi possível. Mas isto é secundário neste momento. O mais importante é o que se fará daqui pra frente.
O “x da questão” é o grau de degeneração interna das forças armadas e das polícias estaduais. Afinal, elas são as executoras do “monopólio da violência legítima” em que se funda o Estado de Direito. Enquadrá-las é o primeiro desafio.
A começar pelos generais mamateiros, patripócritas, que dizem defender a nação com ardor quando é descaradamente evidente que se trata de assegurar suas vantagens e privilégios. Vide a presença destacada das famílias militares nos acampamentos à frente dos quartéis.
Não será fácil empurrar os fascistas de volta para o armário. Eles perderam a vergonha e os escrúpulos ( se é que tinham algum) depois que descobriram que são muitos. Estão espraiados por toda a sociedade brasileira, significativamente presentes em todas as instituições civis que deveriam ser as guardiãs da democracia.
O fascismo tem uma base social numerosa e não subestimável: a classe média. A mesma que a filósofa Marilene Chauí definiu tão bem: “A classe média é uma abominação política, porque ela é fascista, uma abominação ética, porque ela é violenta, e ela é uma abominação cognitiva, porque ela é ignorante“.
Os fatos do dia 8 de abril foram o demonstração prática desse fascismo, da violência e da ignorância que impera em amplos setores da classe média brasileira, simbolicamente materializada na destruição da pintura de Di Cavalcanti.
Enfim, como dar um basta à escalada de insanidade, que já prenuncia atos terroristas com intuitos genocidas?
Vai ser uma batalha longa e cotidiana. Pra início de conversa, o “Brasil 2023” tem que ser a “Argentina 1985”.
A derrota eleitoral do nazismo brazuca, que ganhou a sua cara contemporânea com a ascensão do bolsonarismo, tem que ser levada até às últimas consequências.
Estamos diante de um momento histórico, uma chance rara de, finalmente, punir aqueles que historicamente sempre atentaram contra o Estado Democrático de Direito.
Alguns já tinham percebido isto e ensaiaram o manjado lenga-lenga de “revanchismo”. Mas meteram os pés pelas mãos no 8 de janeiro e agora o caldo entornou.
Não se pleiteia um conjunto de atos punitivos que se esgotem em si mesmos, mas que sejam apenas um marco inicial para enterrarmos o que existe de mais deplorável na nossa sociedade. Porque essa será uma tarefa para uma ou duas gerações. Mas é urgente dar início a esse processo. E a oportunidade está dada.
A conjuntura nos é favorável. A elite econômica brasileira, o tal “mercado”, que tanto se aproveitou desses quatro anos obscuros, já percebeu que é melhor se livrar desse entulho. Aproveitou o que pode deste desastre para maximizar seus ganhos. Porém agora o cenário internacional exige outra postura deles, sob pena de terem seus negócios ameaçados.
E o Tio Sam, o que sempre nos tutela como se fossemos o seu quintal, não teria ressalvas a fazer. Ele está às voltas internamente com o espectro do trumpismo ensaiando um retorno ao poder.
Para fazer uso de um linguajar meio clichê, a “correlação de forças” está a nosso favor. Porém, como tudo que é conjuntural, pode tomar uma nova configuração a qualquer momento.
Não é mais o tempo de conciliações, do “comer pelas beiradas”. É necessário o enfrentamento. Se não o fizermos agora, nessa janela de oportunidade que se abriu, o retrocesso poderá vir antes do que se espera (Imaginem se Trump retoma o poder!)
Não será fácil. Haverá reações hidrófobas, novas intentonas golpistas, além das ameaças do histórico terrorismo militar dos “para-sares e riocentros”.
Não sabemos quando a história nos dará outra oportunidade. Então, que tenhamos a “virtu” necessária para agir com vigor nesse momento de “fortuna”.
É hora de nos livrarmos de uma vez por todas da sina que nos condena a ser maior república das bananas do planeta.
BANANAS NUNCA MAIS!