Enquanto aguardamos que o indiciamento dos golpistas seja despachado pelo PGR, que até o presente momento tem demonstrado não ter nenhuma pressa para isso, só nos restam as analogias dramáticas. A peça de Samuel Beckett, “Esperando Godot”, ganha a versão bananeira “Esperando Gonet”.
A fala chave do texto teatral é dita por um dos personagens, que esperam inutilmente por um tal de Godot (que nunca chega): – “Nada acontece, ninguém vem, ninguém vai, é terrível.”
Nada que surpreenda a nossa república bananeira deitada eternamente em berço esplêndido. A tal ponto que o principal denunciado anuncia que cogita se refugiar em alguma embaixada amiga. E ficamos esperando Gonet que, pelas últimas declarações públicas, parece não ter a menor pressa. Cogita que pode solicitar mais investigações e indiciamentos. Chega a sugerir que golpes devem ser impedidos com medidas do legislativo que impeçam militares de ocupar cargos administrativos civis. Como se uma boa lei fosse suficiente para impedir golpes. Claro que o PGR não é ingênuo. Ele está fazendo suas escolhas.
Traduzindo para o cotidiano de um cidadão comum: imagine que a sua casa é furtada, e que câmeras de vigilância captam o meliante em fuga com os objetos furtados. Pelas imagens fica claro que se trata de um criminoso já conhecido na região. Aí as autoridades decidem adiar a prisão do sujeito, pois pode ser que apareçam mais evidências de outros crimes dele ou cúmplices. Esse é, mais ou menos, o argumento do PGR.
Todos são iguais perante a lei. Mas na maior república bananeira do mundo, alguns são mais iguais que outros. Altas autoridades civis e militares são julgadas por uma régua muito mais política do que jurídica. E as decisões dependem da coragem, covardia ou cumplicidade dos julgadores. Em alguns casos, até mesmo da honestidade de juízes, como demonstram os recentes escândalos de venda de sentenças. A pressão dos grupos de mídia para tirar o Xandão do jogo passa por aí. Querem um juiz vacilante, cooptável, medroso ou covarde à frente das ações. Adivinhem o por que.
A grande imprensa e inúmeros parlamentares e governadores ditos “liberais” relativizam a gravidade do ataque golpista. Nunca foram amantes da democracia. E podem se alinhar a uma ruptura democrática se for do interesse deles ou de quem representam. Por isso não tem pressa nem vontade de punir os neofascistas. Eles poderão lhes ser úteis novamente. . Seguem a máxima de Mises, que disse explicitamente que “o fascismo salvou a Europa”. E emendou dizendo que apesar da barbárie,foi possível a retomada do “livre mercado”.
O golpe falhou porque não construiu uma base de apoio sólida. Nem interna nem externamente. Teria apoio da maioria dos parlamentares, muitos governadores, três juízes do STF, do agronegócio, mas isso não seria suficiente. Mesmo assim não ocorreu por detalhes. É certo que falta de apoio o condenaria ao fracasso em curto ou médio prazo, tal qual o último golpe que ocorreu na Bolívia. Mas deixaria um rastro de sangue dos adversários assassinados.
Há fortes evidências de que, a partir de 20 de janeiro, a dupla Trump/Musk irá fazer coro com a tese da “perseguição política” e do “cerceamento da liberdade de expressão”. Com que intensidade, como isso se dará, ou que efeitos irá provocar, é uma grande incógnita. Mas não se deve esperar boa coisa do Tio Sam. Quais bravatas ele será capaz de cumprir é um mistério. Mas provavelmente irá causar uma zona na economia mundial que poderá ser utilizada para desestabilizar a governança nos países que ele considera como o seu quintal. E a esperar por Godot/Gonet poderá ser inútil.
Na nossa república bananeira, 2025 não será nada fácil.
PS.: Chega a ser enfadonho o discurso de alguns que celebram uma suposta resiliência da nossa democracia. Com tudo que acaba de vir à tona, esse tipo de discurso deveria ser ridicularizado. A nossa débil democracia não ruiu por detalhes. Mais uma vez, não há ingenuidade naqueles que enunciam essa tese.