Não deu no New York Times…

O saudoso humorista Henfil, no único filme que dirigiu ao longo da vida (TANGA – Deu no New York Times), fez uma interessante paródia da nossa república bananeira. Num país fictício (tal como a Anchúria e Bruzundanga) a única coisa que incomodava a elite bananeira era a imagem negativa estampada no principal jornal da metrópole. Porque, na imprensa local, as bananices sempre geravam manchetes convenientes.

Como pouca coisa mudou na cabecinha das nossas elites bananeiras, as donas dos grandes meios de comunicação da imprensa local, a história sempre se repete. Criaram um factóide em torno do Ministro do STF que enfrentou a escumalha golpista, com a clara intenção de livrar a cara nos neofascistas e dar fôlego para a negociação de uma anistia aos golpistas. O recado é claro: vão apoiar de novo o fascismo caso o governo não desista de desviar recursos que engordam as suas contas com juros estratosféricos. Não querem que se invista no bem-estar da população mais sofrida (saúde e educação públicas, seguridade social e habitação popular). Além disso, cobram privatizações tão escandalosas quanto foi a da SABESP. Tudo para engordar ainda mais suas obesas fortunas.

Os jornalões já emprestaram seus veículos para a sequestro, tortura e morte de opositores durante a ditadura militar, já divulgaram fichas sabidamente falsas de pessoas indesejáveis para as nossas elites (muito antes da epidemia de fakenews), deram palco a agentes públicos vergonhosos quando operaram fraudes jurídicas. Ainda são os mesmos, como os nossos generais, com sua velha farda verde-oliva que pode lhes servir ainda mais (Perdão, Belchior!).

E também mandam um recado para aqueles que comem de garfo e faca, supostamente defensores das conquistas civilizatórias da democracia liberal. Como a clássica cena de outro filme que parodiou a nossa república bananeira (a república de Eldorado, de Terra em Transe, do Gláuber Rocha):

http://<iframe width=”683″ height=”384″ src=”https://www.youtube.com/embed/90oZOkiTNwc” title=”&quot;Qualé a sua classe?&quot; cena de Terra em Transe (1967)” frameborder=”0″ allow=”accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share” referrerpolicy=”strict-origin-when-cross-origin” allowfullscreen></iframe> https://youtu.be/90oZOkiTNwc

https://www.youtube.com/watch?v=90oZOkiTNwc

Usando conceitos de Gramsci, faltam lideranças orgânicas entre as classes subalternas para resisitir com mais vigor a esse ataque neofascista.

BOLÍVIA, VENEZUELA, BRASIL.

BOLÍVIA, VENEZUELA, BRASIL.

Bem que os milicos bolivianos tentaram mais uma vez. Atingiram a incrível marca de 194  quarteladas na história da Bolívia. Algumas bem sucedidas, mas quase sempre com vida curta. Desta vez o fracasso foi imediato. Ou melhor, nem tão imediato assim, já que durou o suficiente para a escória do golpismo brasileiro celebrar com aquela típica euforia do torcedor antes do VAR assinalar que o gol foi anulado. Mas a turma verde-oliva dos andes ainda está longe de nos roubar a taça  de maior república bananeira do planeta. E é fácil dizer o porquê.

Lá os golpistas foram em cana. Aqui, os fardados golpistas seguem impunes, alguns sequer são investigados, apesar das inúmeras evidências, há ainda aqueles golpistas que permanecem ocupando cargos e funções de relevo na corporação.  E, para os que foram escolhidos para servir de “boi de piranha”, no silêncio dos bastidores vai sendo articulada uma anistia ou, no máximo, alguma punição simbólica. A grande imprensa  – porta voz das classes dominantes – finge que não vê. O golpe é um recurso que querem sempre ter ao seu alcance. Parlamentares golpistas celebraram a quartelada dos vizinhos no primeiro minuto, algo tratado com a maior naturalidade pela mídia e pelas instituições ditas republicanas.

A elite bananeira não se escandaliza. Enquanto se chafurda nos juros pornográficos que lhes dá rendas  astronômicas, exige cortes e maior austeridade nos gastos públicos. Nos editoriais de seus jornalões clamam por uma nova reforma da previdência, mas omitem o peso da previdência dos militares. Usam a fragilidade da democracia para que o governo não enfrente privilégios. Os milicos bananeiros são os seus cães de guarda e não cogitam desagradá-los.

Desiste, milicada da  Bolívia. Vocês podem chutar mais ao gol, mas o que conta é a bola balançando a rede pelo lado de dentro.. Essa taça do mundo é nossa, ninguém tasca. O título de maior república bananeira do mundo ainda é nosso.

Diante da quartelada fracassada, a reação do Tio Sam foi reveladora. Nenhuma condenação contundente. Seguramente seus órgãos de inteligência sabiam da articulação golpista. Continuam os mesmos. Com o avanço do neofascismo no cenário internacional, os prognósticos para as nossas frágeis democracias não é nada animador.

O caso da Venezuela, com suas inúmeras versões e contraversões, desnuda uma contradição que poucos analistas têm a coragem de expor com franqueza: que a democracia liberal não dá conta de garantir  a soberania de nações periféricas diante dos interesses econômicos do imperialismo ianque. Hugo Chavez, inverteu a lógica militar ao reestruturar as forças armadas numa orientação nacionalista (além de conceder benesses corporativas, claro). Assim, privou o Tio Sam de seu principal ator golpista. Sem eles, as tradicionais ações de desestabilização – sanções econômicas e outros atos de guerra híbrida – têm sido insuficientes. Tudo indica que o governo Maduro aparelhou todas as instituições para trabalharem a seu favor. Porém as elites bananeiras sempre fizeram isso, de forma sutil ou não, sem nunca despertar qualquer indignação nos “formadores de opinião”, pelo contrário.

Não há lugar para republicanismo ingênuo na luta de classes. As instituições da república sempre foram objeto de disputa política. Agentes públicos nunca são isentos.  Quando muito, agem com honestidade, mas só quando o custo político da parcialidade é muito alto.

Pode ser que as eleições da Venezuela tenham sido fraudadas, mesmo reconhecendo que o chavismo ainda possui relevante base social. Talvez o governo Maduro seja realmente desastroso. Mas o que acontece lá não é uma disputa democrática, é um confronto geopolítico, uma guerra híbrida em andamento. Em que a situação tenta preservar a soberania sobre a principal riqueza da nação – o petróleo – e uma oposição neofascista (fato omitido e naturalizado pela mídia) opera a serviço dos interesses econômicos dos EUA.

O mesmo EUA que silenciou no golpe boliviano, reconheceu quase de imediato o opositor venezuelano como presidente. O neofascismo não é o inimigo dos EUA; é um instrumento para garantir a sua hegemonia no seu quintal. Se no plano interno Trump é um problema para a democracia deles, no plano externo o neofascismo é funcional e, quando conveniente, um importante aliado.

O  mais preocupante é que, o fiel da balança nessa disputa, são os militares. Herança bananeira que até hoje infesta as nações latinoamericanas. As elites venezuelanas têm tentado cooptá-los, até agora sem sucesso. Difícil a situação da Venezuela. Tem tudo para terminar em mais uma sangria pelas veias abertas da américa latina, como escreveu Galeano.

O grande desafio que se coloca é a reinvenção da democracia para as nações do sul global, diante da evidente falência do modelo liberal.