
Este blog está em silêncio desde o início de fevereiro. Foi uma escolha, pois as postagens estavam muito repetitivas. Numa república bananeira, as movimentações sempre seguem um mesmo roteiro. Tivemos novos fatos, mas pouca coisa mudou desde então. E, perdoem-nos por esta postagem um tanto longa.
Em fevereiro muitos comemoraram a manifestação do PGR, de fato contundente, que propôs o indiciamento de altas autoridades do governo anterior, incluindo um general 4 estrelas que ganhou inédita prisão preventiva. Porém ficaram de fora várias figurinhas carimbadas do golpe, entre financiadores e até um deplorável ministro do TCU, que numa gravação vazada demonstrou saber de muita coisa. Aliás uma figura onipresente em todos os atos golpistas, desde a lava-jato.
Enfim, o relatório do PGR desencadeou um breve surto de otimismo, de que finalmente iríamos romper com a lógica das repúblicas bananeiras. Há o que comemorar, sem dúvida, mas ainda falta muito. A PGR, antes de tornar público o relatório, certamente ouviu ou avaliou o clima nas instituições (basicamente o comando militar, o Congresso, o STF e a Faria Lima).
Aos militares bananeiros, restou a saída honrosa de jogar aos leões os indisciplinados. Algo digerível, pois feriram a hierarquia e a disciplina, valores máximos da caserna. Sobrou para os golpistas declarados, os que foram flagrados se referindo aos superiores como frouxos, sem culhões ou covardes. As FFAA, como já comentamos aqui, se dividiram em três grupos: O primeiro, que adoraria um golpe, mas o descartou por falta de apoio claro dos EUA, pois o fracasso seria certo; o segundo, os entusiastas do golpismo, que bancaram as ações dos kids pretos e preparou a operação “punhal verde-amarelo” (que ia matar meio mundo, segundo um dos integrantes do grupo); por fim, os golpistas que se submeteram ao comando superior, mas que, na surdina, se omitiram diante dos planos dos golpistas empedernidos. Provavelmente sonhavam com um golpe dado pelos radicalizados, de folego curto, mas que faria o trabalho sujo. Entrariam depois com as fardas limpas e posando de restauradores da ordem democrática. Obviamente, com as principais lideranças do país assassinadas.
Dessa forma, sobrou para o grupo golpista mais radical “pagar o pato”. Mas a milicada não é de abandonar os seus “irmãos por escolha”. Os condenados deverão ter penas leves ou convertidas em prisão domiciliar ou uso de tornozeleiras. Deixarão a carreira militar, mas sobreviverão.
As lideranças golpistas do Congresso e da elite econômica ficaram de fora. Revelado o teor do indiciamento, imediatamente começou um forte movimento dos golpistas da classe política e da Faria Lima para retomar plenamente o poder em 2026. Ainda podem chantagear e/ou bloquear proposições do governo atual, mas querem muito mais do que isso: aspiram a um presidente totalmente submisso a eles ocupando o Alvorada.
A Faria Lima mandou o seu recado através dos editoriais de seus diários oficiais (a grande imprensa). Aceitam o bolsonarismo, porém sem Bolsonaro. Querem alguém que saiba se portar à mesa, comendo de garfo e faca. Sabe o quanto um boçal descontrolado pode atrapalhar os seus negócios, mesmo que nomeie o serviçal dos rentistas (agora no Nubank) para comandar a economia. Mas gostam de um leiloeiro surtado que bate o martelo tal qual um homem de Neanderthal com sua clava. Assim foi iniciada uma campanha velada de promoção do governador privateiro de São Paulo. Só que fizeram isso sem combinar com os bozofascistas, que reagiram ferozmente.
Vieram os projetos para anistiar golpistas, para blindar os envolvidos, para mudar o código penal de forma retroativa e outras patacoadas claramente inconstitucionais. Tentam emparedar o STF apelando para a vitimização do seu gado, aqueles que receberam penas elevadas pelos atos de 8 de janeiro de 2023. Em suma, querem a mais total e absoluta impunidade. E não aceitam que o seu “Duce” seja impedido de participar do jogo eleitoral.
Foi então que entrou em cena um golpista senior para resolver o imbróglio e articular uma frente neofascista-liberal. Michel Temer trabalha por um grande acordo, com os militares, com o Supremo, Centrão, Faria Lima, com tudo. Tenta convencer os cinco governadores que aspiram a presidência a marcharem unidos (Tarcísio de Freitas/SP, Eduardo Leite/RS, Ronaldo Caiado/GO, Romeu Zema/MG e Ratinho Junior/PR). Tudo em nome da “pacificação” do país.
Com os militares será fácil compor, até porque Tarcísio é um deles. Com o Centrão, basta garantir o poder que conquistaram de manusear vasta fatia do orçamento público. Arthur Lira até declarou que seria uma honra ser vice-presidente da República.
Resta convencer o STF e o Bozofascismo.
Xandão e os outros oito ministros do STF (dois não contam, pois são serviçais do bozofascismo) ensaiam resistir. Um deles, que pra ganhar a cadeira se gabou de ser bom em “matar no peito”, até balançou. Mas o fato é que já consideram uma redução das penas aplicadas ao gado. Sutilmente, já cogitam fazer algumas concessões.
Ao afrouxar a prisão do Collor, em seguida para o Roberto Jefferson, por “razões de saúde”, sinalizaram que o Bozo pode ganhar prisão domiciliar. Não faltarão médicos bolsonaristas, cloroquiners, para assinar laudos comprobatórios de saúde debilitada. Bozo, Braga Neto e outros não terão dificuldades com isso. Aliás, o reality show do Bozo numa UTI foi um balão de ensaio. Já virou uma cantilena a vitimização do ex-presidente, que disse não ter saúde para suportar uma prisão. Até a deputada “hacker e pistoleira”, recém-condenada, já viu que o caminho é esse.
Ainda assim a queda de braço com o STF prossegue. A bancada bozofascista sabe que a inelegibilidade do Bozo é de difícil reversão. E que a condenação dele é quase certa. Por isso faz tabelinha com o Centrão, aproveitando a insatisfação deles com o STF, que exigiu transparência do orçamento secreto. Nenhum deles quer o mandato em risco por se envolverem em maracutaias com o dinheiro público. Livrar o Ramagem foi uma jogada pra pressionar o STF ainda mais. O Centrão balança, porém simpatiza com tudo que enfraqueça o STF. O presidente da Câmara já conversa e articula com os bolsonaristas proposta de emenda constitucional que limita decisões monocráticas de ministros.
Para ajudar na “pacificação nacional”, um dos diários oficiais da Faria Lima abriu espaço generoso em suas páginas para o Bozo afirmar que vai lutar para ser candidato até o último momento, que o capital eleitoral é exclusivo dele e não vai transferir para ninguém. Mas o objetivo dele é, antes de tudo, não ser preso. Fará de tudo para adiar o julgamento para além de 2026. E sinaliza que vai cobrar um preço para apoiar um candidato que não seja indicação dele. Um dos presidenciáveis já entendeu o recado e deu a deixa: o atual governador de Goiás disse que se eleito, dará um perdão presidencial ao Bozo. Fecha o pano.
Neste momento, Michel Temer e João Dória são os artífices do grande acordo, da ópera bufa que vamos testemunhando. Recentemente, em Nova Iorque, reuniram toda a tropa no 14º Lide Brazil Investment Fórum. O governador de São Paulo se reuniu com banqueiros e investidores e apresentou seu programa de governo: desvinculação de despesas obrigatórias (gastos sociais), privatizações, desindexação do salário mínimo, revisão dos gastos sociais (cortes) entre outras músicas para os ouvidos dos hiperliberais. Propostas para o governo de São Paulo, disse ele, dissimuladamente, para não desagradar quem lhe patrocinou o ingresso na política, e cuja chancela depende para voos mais altos.
Em paralelo, de olho nas próximas eleições, a boiada vai passando. Partidos do Centrão vão se unindo em federações, embrião de futuras fusões. Bancadas maiores, com mais participação no fundo eleitoral e nas comissões permanentes, maior poder. Nessas articulações, Toninho Malvadeza Neto, sem cerimônias, falou: “- Bolsonaro é um personagem político com tamanho e densidade eleitoral inegável no campo da direita. Ninguém pode querer construir um projeto de enfrentamento ao PT sério, competitivo e vitorioso sem considerar isso.”
Sem grande alarde, estão aumentando o número de assentos na Câmara dos Deputados. E usaram as eleições municipais para posicionar fortes candidatos ao Senado. Com maioria naquela casa – risco mais do real – passariam a controlar o poder que mais os incomoda: o STF, que ficaria subjugado ao Legislativo. A Faria Lima, via editorial de um dos seus jornalões, também considerou o poder do STF excessivo. E a pauta de interesse popular, o PL da isenção de imposto para quem ganha até 5 mil reais, sobretaxando os que ganham acima de 50 mil pra compensar, teve a relatoria entregue a Arthur Lira.
Em suma, é disso que se trata: vai se desenhando para 2026 a aliança autocrática Centrão/bozofascismo/Faria Lima. E com todo o apoio do jornalismo de guerra, com as habituais coberturas facciosas dos fatos. A democracia liberal, com seus pesos e contrapesos, não interessa mais ao rentismo hiperliberal. Querem o fim da regulação estatal. Querem o Império da Lei…da Selva.
Não dá pra ser otimista. A maior república bananeira do mundo não quer entregar a rapadura.
PS: Num primeiro momento, os bozofascistas ficaram esperançosos de uma intervenção do Donald Trump. Não aconteceu ainda, porque Tio Sam tem outras prioridades. Mas é um fator que ainda pode entrar no jogo, principalmente após a recente consumação da aliança estratégica do Brasil com a China. Mesmo que possa ser um tiro no pé (vide o efeito nas eleições do Canadá e da Austrália).
Aguardemos.