Ilusões da República Bananeira

A intelligentsia das repúblicas bananeiras tem grandes esperanças de libertar o seu país de um destino trágico num curto prazo. Talvez por isso alimente algumas ilusões sobre a realidade em que vivem. Por vezes acreditam que parte das elites são nacionalistas, “republicanas” e tem um projeto de nação. Acreditam que existem militares legalistas, que o país pode ter um desenvolvimento soberano e democrático e ser bem aceito pelos países hegemônicos como um forte protagonista no cenário mundial.
No Brasil, embora exista um sociólogo que chamou a atenção para este fato (Jessé de Souza, em “A tolice da inteligência brasileira”), ele não foi levado muito a sério.  A vaidade presente em sua argumentação se chocou com a vaidade do meio acadêmico. Na guerra de egos, uma boa  provocação caiu no limbo.
Parece que a máxima de uma poesia do compositor Aldir Blanc não se confirma: “o tempo vence toda a ilusão” (em Agnus Sei, parceria com João Bosco).
Na maior república bananeira do planeta, a ilusão continua vencendo, e de goleada.
Talvez por isso, quando se fala de um golpe no Brasil, três argumentos que subestimam essa possibilidade são frequentes:
1) as FFAA não entrariam numa aventura;
2) o bozo já não é mais funcional para a elite econômica;
3) Não haveria apoio internacional (leia-se EUA, a quem os milicos brasileiros lambem as botas).
Obs: não citamos aqui o clássico argumento “as instituições estão funcionando”, por ser óbvio o quanto ele é ridículo.
Comecemos por desmontar o último argumento.
Os EUA, com os democratas no poder, não tem interesse na permanência do atual presidente, um sabujo trumpista, o que é uma verdade. Porém isto é só metade da história. A permanência de um ogro no poder é bem conveniente para os interesses geopolíticos e econômicos dos EUA.
O BRICS permanecerá em banho-maria e a manutenção da nossa matriz energética em mãos privadas estará assegurada. O ataque ao meio-ambiente daria aos democratas a chance de continuar com suas condenações retóricas e posar de bom moço para o público interno e externo.
Ora, quanto aliados bizarros o Tio Sam não apoiou ao longo da história?
Se quisessem pôr um fim a este personagem repulsivo que ocupa a presidência, certamente o fariam. A NSA tem material de sobra pra isso (o caso do assassinato da Marielle seria só um exemplo). Se a oposição fosse a tal “terceira via” sonhada pela elite brasileira, o dito cujo já teria sido destroçado.
O fato é que um golpe aqui seria duramente condenado, mas seria funcional para os EUA. O jogo político seria reconfigurado e poderiam surgir alternativas, dependendo do desenlace do putsch.
A resistência da elite econômica ao bozo deve ser lida com muitas reservas. Nos últimos quatro anos empresários, agroexportadores e farialimers aplaudiam efusivamente o presidente nos eventos em que ele participava. Afinal de contas, as reivindicações destas classes foram em grande parte contempladas. O SUS só não foi desmontado por conta da pandemia. No restante, a privatização dos serviços públicos está em pleno andamento.
Nossas elites recuam pensando muito mais na sua imagem perante as elites globais. Se incomodam com o fato de serem vistas como o que são: uma elite colonial caricata. Claro que tem também o cálculo econômico, no risco que poderia trazer para os seus lucros astronômicos. Nestes últimos anos muita coisa sumiu da pauta econômica dos colonistas (termo criado pelo saudoso jornalista Paulo Henrique Amorim). Responsabilidade Fiscal e Risco Brasil, que era o foco de todos os dias, viraram apenas observações um tanto incômodas. Os lucros da elite pouco foram afetados
Deixamos a parte grotesca para o final: o que pensam os militares. No caso, os da ativa, que possuem o comando das tropas. Reza a lenda que militares da ativa não podem se manifestar politicamente. Porém, em tempos de redes sociais, este pensamento fica difícil de ser ocultado. E o que isto revela é que os militares da ativa pensam exatamente igual aos da reserva, que se manifestam sem pudores nas publicações dos clubes militares. Não chega a surpreender, pois todos foram doutrinados pela mesma escola, a mesma formatação foi aplicada ao cérebro de toda a oficialidade.
A insistência em desacreditar as urnas eletrônicas chega a ser impressionante. O discurso hipócrita de “contribuir para aperfeiçoar o sistema” já caiu por terra . É uma clara ação de sabotagem. No caso de uma provável derrota eleitoral desta casta, as portas estariam abertas para o caos de fanáticos e milicianos, hoje fortemente armados pela complacência deliberada das FFAA.
Com o improvável sucesso do “Plano A”, ganhar as eleições dentro das regras, só resta tumultuar e provocar uma virada de mesa. É exatamente isto que está em gestação. Nenhuma carta com milhões de assinaturas vai impedir isto, por mais louvável que seja a iniciativa.
A recusa veemente dos militares em se juntarem ao ato do 7 de setembro é somente para não comprometer a imagem de “isenção” quando tiverem que conter a sedição dos fanáticos e milicianos (incitados e armados pela omissão deliberada dos militares). Afinal, eles estão do mesmo lado. Uns com farda, outro sem.
Talvez este blogueiro esteja delirando. Citando outro verso do compositor Aldir Blanc, “não tenho o vício da ilusão/hoje eu vejo as coisas como são” (Vitória da Ilusão, em parceria com Moacyr Luz).
PS: Muitos leitores poderão achar que este blog está semeando “teorias da conspiração” que em nada ajudam ao processo democrático. É uma questão de perspectiva. Teoria conspiratória seria afirmar que os milicos planejam uma operação Jacarta: um golpe que deixa o trabalho sujo para as milícias. Para saber o que seria isso, sugiro o premiado documentário “O Ato de Matar”, de Joshua Oppenheimer, legendado no youtube. O golpe na Indonésia em 1965 é o sonho dourado do celerado que acha que a ditadura militar deveria ter “eliminado  uns 30 mil”. Na Indonésia foram 500 mil. Se uma barbárie dessa dimensão é algo impensável nos dias de hoje, isto não impede uma versão clean, um método “Jacarta 4.0”. A conferir.