Quartelada 4.0 – “Bananadas again”

Desde a derrubada do presidente paraguaio Fernando Lugo, debate-se que a América Latina passou a ser vítima de um novo tipo de golpe, diferente das quarteladas do passado, que derrubavam os governos e sufocavam as democracias com tanques e tropas nas ruas.

Esse modelo de tomada do poder sempre foi característico das repúblicas das bananas latino-americanas. Quando não funcionava, havia sempre a mão amiga do Tio Sam, a intervenção militar dos EUA para resolver a questão.

O mundo civilizado sepultou este tipo de golpe. Foram tantos os crimes e abusos dos militares que esta tática foi abandonada. A pá de cal foi a queda da URSS, pondo fim à guerra fria que justificava o apoio externo aos golpes militares bananeiros.

A prisão na Europa do facínora Augusto Pinochet pôs um fim a esta via golpista.

A participação dos EUA na defesa de seus interesses geopolíticos passou a ser mais discreta. Ao invés de mandar seus fuzileiros, passou a financiar o treinamento das autoridade policiais e judiciárias para o uso da lawfare.

Desta forma, a articulação dos poderes legislativo, judiciário, militar e da mídia, com o uso da lawfare, passou a ser a nova forma de tirar do poder governos que desagradaram aos interesses geopolíticos do Império. Foi assim no Paraguai, Honduras, Brasil, Equador, Peru e Bolívia. Este último foi um didático ponto fora da curva: ficou demonstrado que a via golpista com protagonismo militar e interferência externa aberta – como foi a deplorável postura da OEA – não se sustenta por muito tempo.

Mas em nenhum lugar vimos algo parecido com o que aconteceu no Brasil. Algo que só foi possível por conta da impunidade dos agentes de estado que, quando no exercício do poder, cometeram crimes contra a humanidade.

O retorno dos militares, usando Bolsonaro como cavalo de troia, foi tramado com certa discrição. Mas, ao tomarem posse, deixaram de lado todos os pudores. A ocupação de cargos públicos se deu numa dimensão pornográfica. Nem a ditadura implantada em 1964 ousou tanto.

Arrogantes, achando-se moralmente superiores, arvoraram-se para ocupar funções para as quais nunca tiveram competência. O exemplo mais patéticoe trágico – foi a nomeação de um general “especialista em logística” para ser Ministro da Saúde. Num surto de sincericídio, que só a cegueira dos arrogantes permite, o general confessou que sequer sabia o que era o SUS – o vigoroso eixo sobre o qual se articula a política nacional de saúde. E isso no momento da maior crise sanitária da história do país.

O fiasco foi além de qualquer expectativa pessimista. A suposta eficiência logística ruiu com a troca primária na remessa de vacinas para os Estados e na incompetência para lidar com a crise da falta de oxigênio hospitalar. E ainda tiveram a humilhação de ver o vizinho execrado – a Venezuela – ser mais diligente no envio de um auxílio voluntário. E a tão propalada superioridade moral dos militares foi ridicularizada com o escândalo da corrupção das vacinas. Aliás, aqui testemunhamos o quão grave é a situação da nossa gigantesca república das bananas: os comandantes militares divulgaram nota indignada condenando o intuito de punir seus colegas fardados. Impunidade para os militares, acima de tudo e de todos.

Um dos principais cientistas políticos do mundo no século XX, ainda hoje referencia obrigatória neste domínio, foi o norteamericano Robert Dahl. Ele concebeu a democracia não como um sistema idealizado, mas como um arranjo político possível, realista, com várias gradações conforme a situação particular de cada país. Ele a chamou de Poliarquia, num livro que rapidamente se tornou um clássico.

Neste livro o autor é claro ao dizer que não é possível que se desenvolva uma democracia, ou uma Poliarquia, se os militares não forem contidos, se não estiverem submetidos ao poder civil. Traduzido para a realidade brasileira, este ensinamento explica a razão e a dimensão da nossa tragédia. As escolas militares, em suas doutrinas, defendem historicamente a tutela militar sobre o poder civil. Ou seja, enquanto isto não for alterado, estaremos condenados a ser uma gigantesca República das bananas. Pior: com agentes fardados livres para cometer crimes sob o manto da impunidade. Nenhum militar na Alemanha ousaria saudar Joseph Menghele. No Brasil, permitem que façam homenagens ao notório torturador Brilhante Ustra. É assim que as nossas FFAA contribuem para sermos a maior república das bananas do mundo.

José do Brasil

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