Bananas Assassinas

Muito já se escreveu sobre os crimes contra a humanidade cometidos pelos militares brasileiros após a quartelada de 1964. Quando uma nova conjuntura internacional os forçou a devolver o poder aos civis, exigiram que o manto da impunidade fosse lançado sobre todos aqueles crimes, que eles consideravam “crimes de gerra”. E a simples instalação de uma tímida Comissão da Verdade muito tempo depois, mesmo sem qualquer viés punitivista, serviu de estopim para um movimento de retomada do poder pelos militares. Para eles, o preço da liberdade (de cometer abusos) é a certeza da eterna impunidade.

Como o tempo não volta atrás, para interromper o ciclo da impunidade dos agentes do Estado é necessário centrar esforços na responsabilização de atos recentes. Se as FFAA não são mais agentes diretos de crimes contra a humanidade, ao menos por enquanto, isto não as impedem de serem cúmplices de outras barbáries cotidianas que permanecem impunes.

Os holofotes estão agora voltados para a tentativa de acobertar a gestão incompetente, criminosa e corrupta dos militares no Ministério da Saúde durante a pandemia de Covid-19. Porém, o caso mais sórdido de “operação abafa” dos militares brasileiros parece ter relação com a execução da vereadora Marielle Franco e de seu motorista.

O crime se deu durante a intervenção militar no Estado do Rio de Janeiro. Muitos fazem a ilação de que, ao menos em parte, o crime foi uma reação à própria intervenção militar. Logo, confrontados de forma tão ignóbil, esperava-se dos militares uma reação mais dura, uma resposta rápida e eficaz. Com o total comando da segurança pública nas mãos, eles tinham o acesso a todos os bancos de dados e relatórios de inteligência das polícias civil e militar, além de seus próprios serviços de inteligência. Mas pouco fizeram. Preocupados talvez com o impacto das investigações no projeto de retorno ao poder pela via eleitoral, parece que optaram pela “vista grossa”, mesmo diante de um crime que teve repercussão internacional.

Quem sabe como uma investigação policial funciona, sabe também que muitas vezes chega-se aos mandantes do crime com relativa rapidez. Existe uma rede de informantes e de investigadores competentes sempre em ação. Mas nada é divulgado até que se tenha em mãos evidências irrefutáveis ou provas sólidas. E isto nem sempre é fácil. Por isso, quando um miliciano não quer ser incriminado, ele investe pesado numa “operação abafa”: executa possíveis denunciantes (queima de arquivo), corre para apagar rastros e destrói evidências materiais. E usa para isso todos os seus quadros infiltrados na máquina do estado, os agentes públicos corrompidos para sabotar as investigações.

No caso Marielle Franco foi isso que se viu, e ainda se vê, durante toda a investigação que se arrasta por mais de três anos.

O mais intrigante durante todo este processo, que pode ser visto na série documental produzida sobre o episódio, é a tentativa dos chefões da milícia de incriminarem uns aos outros. Que todos se digam inocentes, não é surpresa. Mas a tentativa de acusarem-se mutuamente, sugere a intenção de sacrificar um “boi de piranha”, para “solucionar” de uma vez o crime e deixá-los seguir com os seus negócios em paz. Escolhe-se alguém para “pagar o pato” e a vida segue.

Ou seja, tudo isso parece indicar que não foram os chefões da milícia carioca que conceberam o crime; talvez eles tenham tão somente oferecido a estrutura criminosa que possuem para operacionalizar a ação. E certamente o fizeram em troca de algum beneficio. Convenhamos que a alegada motivação de vingança pela ação do parlamentar Marcelo Freixo não justifica um crime tão sofisticado, ainda que seja um fator a ser considerado.

O crime ocorreu nas barbas dos chefes militares que comandavam a segurança pública na ocasião, hoje comodamente instalados no centro do poder político. Não é segredo para ninguém que o clã que ocupa a “casa de vidro” tem relações quase carnais com os criminosos da milícia carioca. E parece não haver dúvidas de que os que vestem uniformes verde-oliva tem total conhecimento destes fatos.

Nos últimos dias, o delegado responsável pelo caso Marielle foi substituído pela quarta vez, enquanto que as procuradoras que investigavam o caso pediram pra sair, denunciando constantes interferências e a frequente criação de obstáculos ao trabalho delas.

Assim, a operação abafa prossegue, descaradamente, a pleno vapor. Para proteger quem ou a quais interesses, não se sabe. Mas com todos os dados já divulgados, não dá para descartar a suspeita de que tem respingos de sangue nas fardas de alguns “patriotas”. Só que, na maior República das Bananas do mundo, isto não lhes causa vergonha.

Enquanto os mandantes deste crime hediondo não forem revelados e punidos jamais seremos um país merecedor de respeito do mundo civilizado.

José do Brasil

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