SINAL AMARELO

SINAL AMARELO

Numa república bananeira – e nós somos a maior do mundo –  sempre que uma liderança minimamente progressista é eleita, ela tem que governar em permanente estado de sítio. Para se manter no poder e implementar algumas políticas públicas de seu programa de governo, há que se fazer inúmeras e frequentes concessões. Há sempre uma linha vermelha que, se ultrapassada, dá início a articulações golpistas e/ou sabotagens externas. Historicamente sempre foi assim.

A decisão judicial que absolveu Dilma das acusações que a removeram da Presidência provocou uma resposta imediata da elite bananeira. Em menos de 24 horas os editoriais dos maiores jornais do país, redigidos às pressas, transbordando bílis, refutaram veementemente a  ilegalidade do impeachment. Foi o recado das elites:”-Demos um golpe sim, e daremos de novo se o consideramos conveniente para os nossos interesses”. Este é o claro subtexto dos editoriais. O recado-ameaça da nossa elite golpista.

Já sabemos que uma tentativa de golpe militar foi tramada para o 8 de janeiro passado. Uma golpe em que todo o cuidado foi tomado para que não aparecessem as digitais dos comandantes militares. Conforme as investigações avançam, mais isso fica claro. Ao que tudo indica, era uma operação dos Destacamentos Operacionais de Forças Especiais (DOFEsp), treinados para atuar em cenários de conflitos políticos internos, que envolveram os chamados “Kids pretos”. Difícil de acreditar que os generais desconheciam essa movimentação.

Aparentemente, eles tinham a certeza de que, diante do caos produzido,  seria criada uma situação que exigiria a convocação dos militares para uma operação de Garantia da Lei e da Ordem – GLO. Com a faca e o queijo na mão, eles poderiam quebrar resistências internas, tomar o controle do país e ainda teriam argumentos para se defender da acusação de golpismo perante o mundo. Graças a lucidez de Lula e Dino, que não morderam a isca, o plano golpista gorou. Os detalhes dessa trama só conheceremos daqui a alguns anos, provavelmente.

Pra nossa sorte, mais uma vez a bomba explodiu no colo dos militares. E enquanto vai sendo revelada uma quantidade imensa de cuecas verde-oliva manchadas de batom, os comandantes militares se empenham numa “operação abafa”, com direito a chantagens de todo tipo. Terão que sacrificar alguns anéis para preservarem os dedos. Para eles bastará preservar o status quo da instituição FFAA e da alta oficialidade, ainda que com uma reputação um tanto esfolada e a moral esfarrapada.

Dessa forma, o golpismo da milicada bananeira prosseguirá vivo, à espera de uma nova oportunidade para emergir.

O problema maior é que há uma perigosa tempestade em formação. Ela vem de fora e o tempo é muito curto para se preparar para ela.

Não podemos analisar a situação do Brasil sem observar o contexto geopolítico em que estamos inseridos, o da resistência dos EUA em ceder espaços de seu domínio imperial. O protagonismo de Lula está assumindo em relação ao BRICS – explorando as oportunidades que a  “geometria variável” oferece para obter vantagens econômicas para o Brasil – talvez tenha um preço caro a ser pago num futuro próximo.

Sabemos que o Império norteamericano sempre considerou a América Latina como um quintal deles. Há um longo histórico de intervenções armadas, golpes patrocinados e assassinatos de lideranças políticas no continente. Com o acirramento das disputas com a China e a Rússia, eles não tardarão em colocar as suas garras à mostra novamente. Ainda mais com o cenário de uma guerra mundial que se delineia, que talvez se constitua numa soma de conflitos regionais (Ucrânia, países do Sahel, Oriente Médio, Pacífico sul e outros potenciais cenários explosivos), já que um conflito direto entre as superpotências nucleares aniquilaria a humanidade.

Se Trump tivesse sido reeleito, talvez nossas eleições tivessem tido um outro desfecho. Fomos momentaneamente poupados por uma conjuntura política nos EUA extremamente fugaz. Os Democratas – os mesmos que implementaram a espionagem e a guerra híbrida contra o governo Dilma – mandaram um recado para as nossas elites e seus serviçais armados de que não dariam apoio a um golpe. Não interessava a eles ter um aliado de Trump por aqui nesse momento. Tanto que cobraram “gratidão” do governo Lula por esse gesto, pois esperavam um alinhamento automático e submisso na condenação da invasão russa.

Passadas as eleições norte-americanas, seja qual for o seu resultado, a opção em aprofundar as relações com o BRICS nos colocará novamente na alça de mira do Tio Sam. A desdolarização do comércio internacional é uma pedra no sapato dos EUA e ameaça seriamente a sua já abalada hegemonia.

A embaixadora dos EUA no Brasil, com a dubiedade típica da linguagem diplomática, deixou mais um recado. Ou seria uma ameaça? Até o ex-presidente francês Sarkozy, em seu livro de memórias, revelou o que os incautos fingem ignorar: Os EUA jamais permitirão que a nossa soberania ameaçe a hegemonia econômica deles. Para a nossa elite bananeira e seus generais sabulos, lamber as botas do Tio Sam não causa espécie.

Para piorar a situação, há um risco elevadíssimo de vitória da extrema-direita na Argentina, seja com a ultraliberal Bullrich, seja com Milei (um fascista alucinado). Nosso potencial aliado caminha para se tornar um vizinho indigesto. E, onde estão sendo eleitas lideranças progressistas (Guatemala, Honduras, Colômbia, talvez o Equador) o cerco aos governantes é contínuo. A guerra híbrida é permanente.

Não somos uma potência, nem econômica, nem militar. Nosso único trunfo é a gestão da Amazônia, peça fundamental da questão climática que hoje se tornou uma emergência global. Graças a estupidez da nossa elite predadora e seus guardiões militares, que deram provas fartas de incompetência para gerir esse território estratégico, herdamos esse ativo. É preciso usá-lo com sabedoria.

A derrota eleitoral do fascismo no Brasil tem um alfa e um ômega: chama-se Lula. Dificilmente ela teria ocorrido sem a liderança dele. A capacidade de mobilização das nossas esquerdas continua a dar sinais de debilidade, a ponto do próprio Lula reclamar publicamente da falta desse suporte. Mais do que ninguém, ele sabe o quanto isso é vital para a governabilidade.

Enfim, essa situação de Lulodependência é pra lá de preocupante. É difícil esquecer o destino que tiveram Jaime Roldós Aguilera, Omar Torrijos, Samora Machel. Sabemos muito bem que o Tio Sam nunca teve e nunca terá quaisquer escrúpulos.

O tempo é curto. Ou a sociedade brasileira é capaz de se articular e mobilizar a população ou, como vaticina o título de um romance, “não veremos país nenhum”.

É preciso desbananificar o Brasil urgentemente. As próximas publicações deste blog terão a pretensão de contribuir humildemente neste sentido.

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