Na maior república bananeira do mundo, o terrorismo militar é sempre uma ameaça viva

Conforme avançam as investigações e revelações sobre a intentona fascista de 8 de janeiro, fica cada vez mais evidente o DNA golpista e bananeiro dos militares brasileiros.

A história do golpismo militar no Brasil é um inventário de ações clandestinas e dissimuladas dos militares. Felizmente, os planos mais sanguinários da caserna fracassaram .Por isso que até alguns ateus, em certas horas, suspeitam que Deus existe e é brasileiro. Por obra do acaso, ou de “Deus”, o certo é que os executores falharam na execução do crime insano. Se houve alguma intervenção divina, ela deve ter sido o ato de abençoar os nossos militares fascistas com uma suma incompetência; a mesma que os fizeram fracassar nos planos de explosão do Gasômetro,  do show no Riocentro e, recentemente, da explosão do Aeroporto de Brasília, que poderia ter sido uma tragédia com inumeráveis vítimas .

Já se sabe que boa parte das ações do 8 de janeiro foram executadas pelos chamados “kids pretos”, as forças especiais para ações camufladas do exército. E eles não agem sem comando.  Paralelamente incitaram e mobilizaram setores civis fanatizados, para ocultar de onde partem as ordens e ocultar o protagonismo da caserna. E isso eles fizeram muito bem. Usar e manipular dementes civis para viabilizar as suas operações dissimuladas não é algo novo. Fazem isso desde os anos 60. Como fizeram no famigerado caso do  “grupo secreto”, que já foi objeto de publicação aqui . Ou como no caso dos atentados do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) em 1968 e da Aliança Anticomunista Brasileira (AAB) em 1976. Hoje a sigla que responde pelos trabalhos sujos é outra: seus integrantes são membros dos CACs – clubes de tiro para Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores. Uma rede paramilitar que se constituiu nos últimos quatro anos com a completa cumplicidade das FFAA (quem sabe, até como parte de um projeto interno e sigiloso das mesmas).

O atual ministro da defesa, que ao invés de Chefe se comporta como serviçal dos golpistas bananeiros, se apressou em dizer que os militares não queriam um golpe, que eles não tiveram qualquer participação no acontecido. Triste papel para um ministro de estado, ainda que isso revele muito do caráter e das intenções dos militares. Golpistas, sonham com uma mudança no cenário internacional para colocarem novamente as suas manguinhas de fora. Recuaram, mas não desistiram.

Por mais que saltem aos olhos a participação dos que foram os comandantes da trama golpista, as provas contundentes não aparecem.  Os oficiais flagrados se mostram dispostos a serem imolados e não revelar o que sabem. E isso não ocorre por acaso.  Foram adestrados para isso desde o primeiro dia na Academia Militar. É o que se pode comprovar num recente filme, disponível num canal de streaming,  sobre a (de)formação dos militares na AMAN . Um documentário produzido por encomenda intitulado “Irmãos por escolha”,cujo subtítulo é “nenhum de nós é tão forte quanto todos nós juntos”.

Cinematograficamente, o filme é uma nulidade. Quem suportar assisti-lo além dos 20 minutos iniciais – pois o filme é sonolento e entediante – vai compreender melhor o comportamento golpista dos nossos militares bananeiros. O documentário ilustra bem o que um humorista recentemente chamou de “fábrica de bolsonaros” (a AMAN).

Para poupar os leitores do desprazer de ver essa josta, façamos aqui uma brevíssima resenha do filme,  que documenta cada ano da dita “formação” dos militares.

O filme documenta uma sequência de treinamentos que levam os cadetes ao limite da exaustão, enquanto os instrutores incutem crenças e valores de “superação”, louvam o fato de que eles abdicaram do conforto da vida civil para estarem ali, que contam com  o apoio orgulhoso da família do lado de fora, desfiam um rosário de clichês patrióticos. Usam as técnicas de persuasão coercitiva pra lá de manjadas. Nos treinamentos os cadetes são expostos a atividades físicas extenuantes durante dias de privação de sono, fome, frio e calor intensos em ambientes inóspitos, que os conduzem a um estado de exaustão física e psicológica extrema. Induzidos a uma situação propícia à confusão sensorial, se expressam com brados, cânticos de guerra, orações, hinos anacrônicos, enquanto ouvem  mensagens motivacionais dos instrutores com ênfase no espírito de grupo e na criação de “laços inquebrantáveis” entre eles. Em um certo momento, um cadete diz: “-É a união que não deixa a gente ficar maluco”.

Tudo aquilo que, no jargão popular, é chamado de “lavagem cerebral”. Enfim, nada muito diferente do que é a formação de combatentes em qualquer exército do  mundo.  

Esse adestramento é sólido e deixa marcas profundas. Porém, no Brasil, o espírito de corpo vai além dos limites do razoável. Recente matéria jornalística revelou que até mesmo para os oficiais expulsos das FFAA por crimes comuns (tráfico de drogas, estupro, assassinato, roubo, estelionato, etc.) uma pensão vitalícia é garantida às suas famílias.   São os tais “laços inquebrantáveis” criados entre eles. Se não abandonam bandidos comuns, também não o farão com golpistas e terroristas. A raiz da impunidade nasce no adestramento das academias militares. Não foi por desleixo que o tenente que queria explodir bombas no quartel foi perdoado e protagonizou o período mais desastroso da república brasileira desde o fim da ditadura militar de 1964.

Essa de-formação militar não seria algo tão grave se eles não fossem induzidos a intervir na vida civil como um poder moderador. E é aí que reside o maior silêncio do filme: praticamente nada é dito da formação intelectual deles, o que nos faz deduzir que isso é o que menos importa para ser levado ao conhecimento dos espectadores civis. Porém um punhado de citações de títulos dos TCCs dos futuros oficiais dá algumas pistas: falam da preparação para combate ao terrorismo, de guerras assimétricas, de psicologia de massas e armas cibernéticas. Apesar da amostra ínfima,fica a impressão de que o “inimigo interno” ainda é  o ideário teórico que orienta a formação  no treino de campo. Curiosamente, a parte final do filme , que se refere ao último ano do adestramento dos futuros oficiais, trata das operações contra “forças irregulares”, “adversários atores armados não estatais”. No treinamento exibido, a operação é contra uma suposta base de tráfico.  Na falta de guerrilha de esquerda, o tráfico é o inimigo interno que escolheram combater no momento. Mas que pode se voltar para os movimentos sociais num estalar de dedos. O foco em “inimigos internos” é a maior deturpação da missão das forças armadas, o que nos faz ser a maior república das bananas do planeta.

O final do filme é patético, quase surreal. Alguns cadetes refletem sobre a relação com a morte, já que poderão ter que matar ou morrer, pois juraram dar a vida pelo país. Mas aí vem a cereja do bolo, o sermão de um oficial capelão sobre a missão espiritual dos militares:  a guerra não seria criação dos homens nem do militarismo, pois a guerra primígena, que sobrevive até hoje , é a provocada pelos demônios rebeldes, pelos anjos decaídos.

Com essa xurumela na cabeça, são despejados centenas de novos oficiais a cada ano no Brasil, uma multidão de neobolsonaros. A omissão (ou medo) do poder civil de intervir nas academias militares só perpetua a continuidade da nossa nação bananeira.

O silêncio dos oficiais na CPMI em curso é mais uma prova de que esse adestramento funciona. O ajudante de ordens, ao comparecer fardado e permanecer em silêncio, manda as seguintes mensagens: não irei trair os meus “irmãos por escolha” (mantendo-se em silêncio) pois sei que eles me acolherão no que eu vier a sofrer. Se alguém tem dúvida disso, basta olhar a lista de visitantes que recebeu em seu curto período de cadeia (11 generais, alguns da ativa,  e dezenas de oficiais, fora o general ex-vice, não registrado sabe-se lá o por que, embora visitante confesso).

Enquanto isso, os dementes das CACs aguardam instruções. O espectro do terrorismo dissimulado “verde-kid-preto-oliva”, permanece mobilizado.

Os mamateiros patriotas, impunes,  ainda não se conformaram. E continuarão sonhando com um doce regresso, enquanto não sofrerem uma punição exemplar.