Bananas & Cia Ltda.

Recentemente, um dos principais cientistas políticos do país na atualidade, ao comentar o livro do general Villas Boas, se disse impressionado com a limitação intelectual demonstrada pelo oficial que alcançou o mais alto posto da corporação.

O comentário é bem ilustrativo de como é desconhecida a realidade da formação intelectual dos militares brasileiros. O fato detectado pelo cientista não lhe deveria causar surpresa.

Não que não exista uma, digamos assim, “inteligência militar” na caserna: a capacidade de pensar estrategicamente e formular ações táticas. O problema é que o exercício intelectual dos militares, por conta da formação que recebem, opera em limites muito estreitos.

Militares são preparados para a guerra. O binômio hierarquia e disciplina, fundamental para o funcionamento da cadeia de comando, obviamente limita o desenvolvimento da atividade intelectual. Estimular em demasia o pensamento crítico é a base para motins, e nenhum comandante militar deseja correr este risco.

Não há lugar para dissensos numa instituição militar, ao menos para as questões de fundo. Nunca houve e nunca haverá. No Brasil, esta prerrogativa é de um minúsculo “núcleo duro” que, sem qualquer supervisão civil, define conteúdos e métodos da formação militar.

Por isso que as democracias saudáveis só podem existir com a submissão do poder militar ao poder civil. A tutela militar, baseada no mito de uma superioridade moral das FFAA, é coisa típica de repúblicas bananeiras. E o Brasil é a maior de todas.

Nélson Rodrigues dizia que os jovens eram umas bestas, que um Rimbaud só aparecia a cada 300 anos. Parafraseando o dramaturgo, também poderíamos dizer o mesmo dos militares brasileiros, que um Golbery do Couto e Silva só aparece a cada 400 anos.

Num depoimento para o filme documentário “Jango”, do cineasta Silvio Tendler, o general Mourão, que precipitou o golpe partindo com suas tropas de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro, revela bem a distância intelectual que separava os típicos oficiais do exército do general Golbery. Disse ele que os generais estavam preparados para enfrentar um longa resistência (pra bom entendedor: estavam preparados para matar muitos brasileiros). E salientou que só Golbery discordava desta avaliação e acertou as previsões. Teria dito: “cai que nem um castelo de cartas”.

Golbery foi um personagem complexo da nossa história. Mentor e cúmplice de muitos crimes, de forte conservadorismo, de alinhamento férreo com a doutrina da guerra fria, Golbery tinha uma formação intelectual sofisticada para os padrões militares. Isso lhe dava a capacidade de fazer uma análise política mais acurada. Sem ele, a barbárie da ditadura militar no Brasil teria tido uma dimensão similar à da praticada no Chile e na Argentina. Graças a ele, o pensamento estreito e vulgar da Escola de Chicago não teve vez por aqui, com Roberto Campos, Simonsen e Delfim Netto no comando da economia. A modernização industrial foi promovida e, com o acordo nuclear assinado com a Alemanha, demonstrou que o alinhamento político não se atrelava à submissão econômica e tecnológica.

Enquanto viveu, Golbery agiu para colocar limites na chamada “linha dura”. Mas não impediu que a mediocridade reinante no generalato acabasse por dominar a formação dos oficiais que hoje comandam o Brasil.

O que torna mais dramático o caso brasileiro é o autismo da caserna, a auto imagem de uma superioridade moral que eles não tem nem nunca tiveram, que faz com que eles se julguem no direito de tutelar o poder civil. Não arredam pé desta visão nem depois de expostos pela gestão criminosa no Ministério da Saúde em plena pandemia. Este autismo, esta falta de noção, é o que permite os frequentes espetáculos bizarros como a tanqueciata, outra demonstração patética de bananismo. Mais uma vez, fomos motivo de piadas pelo mundo afora.

Agora de doer mesmo é a pretensão intelectual destes fardados no poder. O recém-criado IGVB – Instituto General Villas Boas é um exemplo disso. O conteúdo do portal web é um caso clássico de “vergonha alheia”. Começa promovendo um webnário com notórios negacionistas da pandemia. E apresenta um suposto “projeto de nação”, uma coletânea de clichês que parecem ter saído dos artigos da anacrônica revista do Clube Militar.

Alguns incautos tentam separar o pensamento dos oficiais da ativa daqueles que já estão reformados, ignorando que ele é essencialmente o mesmo. Os oficiais da reserva, livres dos constrangimentos e das responsabilidades a que estavam submetidos quando na ativa, expressam sem travas o que pensam.

As patacoadas dos militares brasileiros, se não ocupassem o poder da forma incompetente e irresponsável como o fazem, até seriam engraçadas. Mas elas são apenas o retrato de nossa tragédia, que condena as nossas atuais gerações a um futuro sem perspectivas. Em grande medida, graças à indigência intelectual desta casta de, agora autopromovidos, Marechais.

Yes, nós temos bananas.