

Moeda do último imperador romano e projeto de moeda do imperador ianque.
É sempre bom recordar que aquilo que chamamos de democracia existiu apenas em alguns momentos da história da humanidade e circunscrita a alguns territórios. Na Cidade Estado de Atenas até a ocupação macedônia, na República Romana que antecedeu o império e, após a revolução francesa, aquela que floresceu em alguns países ocidentais e chamada de democracia liberal. Em todas essas experiências históricas houve exclusões (mulheres, escravizados, estrangeiros, negros, pobres, analfabetos, etc.). Na maior parte das vezes o que existiu foi uma democracia limitada, legitimada pela existência de eleições periódicas, restritas, nem sempre justas, algumas vezes fraudulentas.
O modelo de democracia liberal aperfeiçoou-se após as grandes guerras, no contexto da guerra fria, em oposição à URSS. Ampliou-se o sufrágio universal. O chamado estado de bem estar social expandiu-se, ainda que restrito às antigas metrópoles coloniais na maioria dos casos. Um eficaz sistema de solução de conflitos, com liberdade de organização e expressão, legitimado por eleições regulares, porém com sutis salvaguardas para impedir que a hegemonia dos que detém o poder econômico fosse ameaçada.
A queda da república soviética incitou teorias mirabolantes, desde a do “fim da história” até a de uma “onda democratizante” inexorável. A ciência política ianque saudava com entusiasmo essa suposta consolidação democrática e deslocava o debate para o que seria a discussão da “qualidade” das diferentes democracias, inspirado pelo engenhoso modelo analítico da Poliarquia de Robert Dahl.
Só que, neste contexto, triunfou no campo econômico o neoliberalismo predatório da Escola de Chicago, filhotes da escola austríaca de Mises e Hayek, impulsionado por Ronald Reagan e Margareth Thatcher com o seu lema “ não há outra alternativa”. Parafraseando o velho Marx, podemos dizer que os vitoriosos da guerra fria – os democratas liberais – criaram os seus próprios coveiros. A desigualdade social intensificou-se brutalmente e, após a crise de 2008, assistimos a uma ascensão de políticos autocratas pelo mundo, nomeadas pelo impreciso e inútil conceito de “populismo”. Melhor seria denominá-los como ur-fascistas, o fascismo trans-histórico que Umberto Eco desnudou: práticas autoritárias que, ao manipular questões morais, são armas na defesa dos privilégios daqueles que se apropriam das riquezas materiais da sociedade.
Como já havia alertado o filósofo francês Paul Ricouer, a democracia é frágil. O dramaturgo alemão Bertold Brecht avisou que a derrota do nazismo nunca seria definitiva, pois a cadela do fascismo permaneceria sempre no cio. Primo Levi, sobrevivente do holocausto, também deixou o seu aviso: cada geração tem o seu fascismo para enfrentar.
Estamos agora diante da ascensão do fascismo do nosso tempo, capitaneado pelo führer Donald Trump e seu projeto de reich, o MAGA. Um movimento do supremacismo branco que muito provavelmente levará o mundo a uma nova tragédia. Não se trata de sermos fatalistas. Mas a experiência histórica nos leva a essa conclusão.
Grosso modo, há duas proposições sobre como enfrentar o momento que estamos vivendo. Há os que acreditam que ainda é possível barrar o avanço do neofascismo. Outros veem que, apesar da necessária resistência, a derrocada da democracia ocidental é inevitável, o que nos levará a algumas décadas de trevas.
O intelectual italiano Franco Berardi está entre os mais pessimistas. Ele recorre à metáfora da avalanche. Diz que quando ela está em formação, ainda é possível contê-la. Mas depois que ela começa não há muito o que ser feito. O que estiver no caminho dela será destruído. Só nos resta tentar sobreviver, buscar refúgio em locais seguros, construir abrigos, se preparar para tempos difíceis e se organizar para a reconstrução num cenário de terra arrasada. Berardi é pessimista porque enxerga uma esquerda perdida e acuada, que não tem demonstrado ser capaz de oferecer novas utopias.
A avalanche está se formando ou já começou? Essa é a questão cuja resposta logo saberemos. Se está difícil ser otimista, ainda é possível cultivar a esperança de que encontraremos uma alternativa.
O führer Trump não aceita ser derrotado e é obstinado. O que ele não conseguiu no primeiro mandato, o poder absoluto, tentará conquistar até o final de 2026, a qualquer custo. Já dominou a suprema corte, que tem anulado os atos de resistência das instâncias inferiores. As eleições de meio de mandato no próximo ano serão decisivas para Trump dominar de vez o Congresso. Mapas de votantes nos distritos já estão sendo manipulados e articula-se a proibição de voto pelos correios. Tudo para obter uma subordinação total das instituições estatais ao seu poder autocrático. Não medirá as consequências de seus atos para alcançar este objetivo. Cortou financiamentos de universidades, ameaça censurar meios de comunicação que considera hostis. De forma inédita, fez uso da Força Nacional de Segurança em grandes redutos democratas (Los Angeles, Chicago, Washington DC e, talvez em breve, Nova Iorque). Tanto interna quanto externamente, usa a desculpa de combater o crime comum, que é uma bandeira de grande apelo popular. Classifica como terroristas o tráfico internacional de drogas e movimentos antifascistas.
Por sofrer de um sério transtorno narcísico, o führer Trump se arrisca a meter os pés pelas mãos e sofrer um revés. Há quem aposte na sua morte, pois a saúde dele estaria seriamente debilitada. No entanto, mesmo que isso ocorra, o jovem vice-presidente J.D. Vance foi escolhido com cuidado para garantir a continuidade do Project 2025 em qualquer eventualidade. Trata-se do projeto de transição presidencial elaborado pela Heritage Foundation para o Partido Republicano e que está em plena execução. Visa dar um poder absoluto para o Presidente implementar uma segunda Revolução Americana, que permanecerá “sem derramamento de sangue se a esquerda permitir” (palavras do presidente da Fundação Heritage). E não faltarão Carls Schmidts para criar um teoria jurídica que legitime esse poder autocrático. Relembrando Marx, as farsas se repetem ao longo da história.
Os democratas dos EUA – considerados como a “esquerda” naquelas bandas – enfrentam um adversário sem quaisquer escrúpulos. E há sérias dúvidas de que são capazes de virar o jogo. Não entendem que o tabuleiro foi quebrado e as regras rasgadas. Trump já demonstrou que pode estimular à violência política aberta, que será capaz de provocar uma guerra civil se isso for necessário para afirmar o seu poder. O recente assassinato do jovem líder neofascista esteve a ponto de deflagrar uma onda de violência política sem precedentes. Os EUA poderão em breve promover a sua “noite das facas longas”. Se nem um ex-aliado belicista e supremacista como John Bolton foi poupado, os democratas de lá podem se preparar para o pior dos mundos.
Para o restante do mundo, o que muda é apenas a aparência. Trump autorizou a CIA e a NSA abertamente a sabotarem os países que não se submetam. Algo que os democratas sempre fizeram, porém com discrição, e sem exibir o seu big stick sem qualquer pudor.
Uma ação militar cirúrgica na Venezuela parece que já está decidida. Maduro talvez venha a ser o Sulaimani da vez. No longo prazo, tem tudo para dar errado. Mas o que importa para o Tio Sam neste momento é dar o seu recado para os sulamericanos: “-Vocês são o nosso quintal, portanto, submetam-se!”
Que ninguém se engane: as “conversas produtivas” com o Brasil sobre o tarifaço é uma grande escaramuça. Podem ter descartado o clã de idiotas, mas não desistirão de atuar para que um fantoche servil seja eleito no ano que vem. E eles têm aliados: parlamentares que se vendem por qualquer punhado de dólares e militares especialistas em terraplanagem para recepcionar golpistas. Como afirmamos em postagem anterior, não faltam quinta-colunas dispostos a servir ao MAGA-Reich.