(…)Somos os camisas verdes no Brasil, os camisas pretas na Inglaterra, os camisas azuis na França!…Anauê! Anauê! …As cidades nos uniram! Somos os Camisas Cáquis nos Estados Unidos, os Camisas Douradas no México, os Camisas Amarelas na China!…(fala de Castro Cott, personagem integralista da peça teatral “Rasga Coração”, de Oduvaldo Viana Filho).
Se nos países ditos democráticos a democracia está em risco, o cenário não é nada animador nas repúblicas bananeiras. Com a gestão Trump liderando uma nova internacional fascista, talvez vejamos em 2025 fortes movimentos para desestabilização da Bolívia, Colômbia e Honduras, além das demonizadas Venezuela, Cuba e Nicarágua. E, obviamente, o nosso patropi.
Após a primeira eleição do Trump, vários cientistas políticos anglo-saxões lançaram livros sobre o perigo de “morte” da democracia. Bons em suas constatações, porém frágeis nas suas explicações. A falha, segundo estes estudiosos, estaria no sistema político, que não teria mecanismos para impedir o ingresso daqueles que querem usar a democracia para sabotá-la. O problema destes cientistas políticos é que não conseguiram explicar como surgem esses líderes ditos “iliberais” e o que favorece a sua ascensão no eleitorado e no sistema político.
De lá para cá, a situação só piorou. Após um breve interregno, Trump foi reeleito com sobras. A extrema direita mundo afora copiou os seus métodos – a disseminação do pânico moral, de mentiras deslavadas e do ódio contra os supostos inimigos – que não é nada mais do que uma versão 4.0 do nazifascismo. Com a concentração das riquezas atingindo níveis pornográficos, o avanço da precarização do trabalho, o desmonte do estado de bem estar social e o aprofundamento das desigualdades formou-se a tempestade perfeita para o ascenso do fascismo.
Claro que, por razões óbvias, neofascistas rejeitam furiosamente tal adjetivação (fascista) Mas é disso que se trata. Como a imagem do holocausto é algo muito presente e frequentemente veiculado pela mídia, os neonazifascistas dissimulam a sua natureza. Mas não muito. Usam as mãos para fazerem o símbolo do supremacismo branco (white power), traduzem lemas e adaptam slogans, usam acessórios inconfundíveis (tiaras de flores), fazem manifestações nacional-patrióticas, rejeitam a diversidade étnica, fazem motociatas e apelam para outras simbologias consagradas pelo fascismo.
Para os mais chegados aos rigores acadêmicos, que se arrepiam com o uso indiscriminado do conceito de fascismo, claro que entendemos que as condições históricas atuais são bem diferentes daquelas que engendraram o nazifascismo no século passado. Mas o uso deste adjetivo não difere muito do uso, a torto e a direito, do conceito de populismo. Só para ficar num exemplo.
O que importa é que se tratam de práticas sociais, métodos de ação e estratégias de comunicação muito similares, aquilo que Umberto Eco chamou de Ur-fascismo, um fascismo eternamente presente. Ou, nas palavras do dramaturgo Bertold Brecht, a besta que permanece sempre no cio, pronta para ser fecundada e dar novas crias. É o espectro da barbárie que resiste aos avanços civilizatórios, que ressurge sempre que encontra uma oportunidade.
Dessa forma, em todo o mundo criaturas bizarras estão sendo eleitas ou, na pior das hipóteses, cacifando-se para serem eleitas num futuro breve. Até mesmo as tradicionais democracias europeias estão sob risco. E agora contam a reedição do trio Hitler-Goebbels-Gaetano Mosca – na forma de Trump-Bannon-Elon Musk – para apoiá-los. Aliás, depois de prometer apoio financeiro ao candidato de direita na Grã-Bretanha, o bilionário declarou em sua própria rede X que somente o partido de extrema-direita neonazista poderá salvar a Alemanha.
A democracia dita “liberal”, definha. O mundo caminha para regimes iliberais, comandados por autocratas. Este é o cenário provável para as próximas décadas. Até que os que lutam pela emancipação humano consigam criar outro imaginário que conquiste as multidões.
Aqui, na maior república bananeira do mundo, as ameaças ainda pairam no ar. Os neofascistas estão se articulando para 2026. A prisão de oficiais não vai mudar esse movimento. Um novo quartel golpista se instalou na Faria Lima. Agentes do caos econômico, o rentismo atua para sabotar o crescimento industrial e inviabilizar programas sociais que poderiam impedir o retorno do neofascismo. Sonham com um Campos Neto ministro da Fazenda e tudo farão para que isso ocorra.
Enfim, mesmo que o cenário que se desenha nos cubra de pessimismo, não podemos perder a esperança. A batalha é duro, porém, relembrando Maquiavel, é necessário ter a virtu necessária para tirar proveito dos momentos de fortuna que surgem diante de nós.
Uma virtu tem tem faltado, e muito, nas nossas lideranças democráticas.